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O Nome Que Cada Um Faz

Lacan apresenta, neste seminário 23, o Sinthoma como um elemento a mais, além dos três sobre o qual vinha trabalhando até então, a saber: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Assim, o Sinthoma é um quarto elemento e é considerado neste seminário como necessário para um bom enlace destas três dimensões, RSI, da nossa existência. Mais um, para além dos três, que se diferencia dos demais e auxilia no enlace e limites destas três dimensões. Faço aqui uma pequena aproximação, guardadas as devidas diferenças, entre a função do Sinthoma e a função mais um no Cartel: auxiliar no enlace dos membros em sua tarefa, favorecendo os limites deste laço transferencial e o combate à cristalização das identificações e dos fenômenos de liderança.

É muito interessante como a partir desta estrutura do Cartel que lhes apresentei, cada membro se singulariza neste processo de trabalho em grupo: o recorte do tema, a autoria e o estilo de cada um aí se produz. E para mim, neste momento de trabalho, o seminário O Sinthoma é marcado e me marca exatamente por questões referentes à singularidade, ao estilo, à autoria, ao nome que cada um faz e com o qual pode fazer sua existência. Entendo este como um dos eixos que Lacan trabalha neste seminário, ele utiliza a expressão fazer-se um nome a partir de uma leitura da escrita, da obra de Joyce, apostando que seu nome como escritor teve um papel fundamental em sua vida, papel de Sinthoma. A sua escrita, que parece almejar a criação de uma nova língua, teria feito para Joyce suplência de uma nomeação paterna talvez mais insuficiente do que a desejada. Joyce, escritor, fez-se um nome.

Acredito que Lacan não pretendeu construir o caso Joyce, bem que ele gostaria, lamenta não ter analisado Joyce, que, aliás, pelo que dizem, era crítico e avesso à psicanálise. Entendo que Lacan quiz aprender e criar com Joyce e sua escrita. Entendo que Lacan se interessou pela posição inventiva de Joyce frente à língua, por seu trabalho com a transliteraração e com a homofonia, pela forma como ele introduz na escrita um sem sentido ou um para além do sentido convencional ou gramatical da língua. Acho que se interessou por estas invenções de Joyce porque elas se aproximam muito de uma série de coisas muito importantes para a nossa clínica que foram criadas por Lacan.

Assim como Joyce, Lacan fala de uma nova língua, propõe que somos habitados por e nos ocupamos na clínica de uma nova língua, que denomina lalangue, e de um discurso sem palavras, ambos distantes do sentido e da estrutura da língua que aprendemos e intencionados usar em nossas sempre falhas tentativas de comunicação. Um outro interesse que acredito que Lacan teve no trabalho de Joyce foi a maneira como ele lida com o tempo. Não há uma simples linearidade no texto de Joyce, ele rompe com a cronologia e impõe uma lógica, uma lógica de associações e derivações centradas antes no próprio texto e não em uma razão ou em memórias. E é também com um tempo lógico e não cronológico que trabalhamos, não é o passado ou a memória que nos causa dificuldades, mas sim o Real e a detenção em tempos que não podem passar. Ainda considero que a construção da hipótese de que Joyce fez-se um nome através de sua escrita, de sua obra, tem para Lacan um valor comparativo com a sua proposta de que uma psicanálise também pode produzir esta função, nos dois sentidos que a expressão comporta: nomear-se e tornar-se um nome, fazer ser a partir deste nome.

Quando o título do meu trabalho se precipitou, quando a nomeação do meu texto se impôs para mim, imediatamente lembrei de uma situação que vou lhes contar. Ministrava na faculdade uma disciplina sobre toxicomanias e convidei profissionais de uma série de instituições de tratamento de toxicômanos para falarem de seus trabalhos. Uma destas instituições enviou para a apresentação além do psicólogo, um ex-paciente que se tornou funcionário deste local. Ele foi contando sobre a avalanches de perda sem sua vida em função das drogas, com destaque para a mulher que ele muito amava e como, a partir do tratamento, lutou para reconquistá-la. Com veemência, ele afirmou que as reconquistas se deram a partir do momento em que ele pode ter um nome e proclamou com emoção: “agora eu tenho um nome, eu tenho um nome!” E vejam que interessante, ele não fez nenhuma referência ao seu nome próprio.

Muitas vezes encontramos os saberes da psicanálise explicitados de forma lógica e simples, com a simplicidade que toda lógica porta, em frases de nossos analisantes ou em cenas como esta. Este rapaz estava dizendo que pode fazer-se uma nomeação, que algo lhe permitiu fazer um nome, um nome que lhe faltava, embora ele tivera sido batizado e registrado quando nasceu. Ele pode fazer um nome e com isso fazer coisas que antes não conseguia: trabalhar, amar, ter planos e objetivos.

Fazer-se um nome, saber fazer ali com, ser artesão de si mesmo, uma língua que se cria, um inconsciente que se inventa, são expressões que Lacan usa no período de trabalho no qual o seminário 23 foi proferido e nas quais os verbos se destacam:fazer, saber fazer, criar, inventar. Verbos que falam de uma atividade que considero fantástica e fundamental para nós psicanalistas. Mais do que ser envolvido e sofrer os efeitos da linguagem, fazemos com ela e com seus efeitos ao longo de nossas vidas e na nossa clínica. Uma psicanálise não é uma filosofia, ela deve implicar movimento e transformação. Este é um ponto importante quando Lacan passa a falar de um inconsciente real e não mais simbólico. Não se trata mais de produzir sentido, de compreender, mas de fazer parada em algo que insiste através do saber fazer com seu sintoma, da produção de novos gozos menos adoentados ou sofridos.

O nosso sujeito, o sujeito da psicanálise, está subposto a uma estrutura produzida pelo atravessamento e efeitos da linguagem no humano, efeitos em três dimensões, RSI, as quais operam na existência de forma articulada. Na medida em que são tomadas em conjunto, enlaçadas, cada dimensão se articula, se refere e faz limite em relação às outras. Estar subposto é estar debaixo desta estrutura e isto implica suportá-la, o sujeito é este que suporta, que carrega os efeitos do Real, do Simbólico e do Imaginário. Embora a estrutura seja una, RSI, pois estas dimensões formam e operam em cadeia, elas não são tomadas isoladamente, isto está longe de significar estabilidade e homogeneidade. A estrutura comporta movimento e mudança e contempla, sempre, a possibilidade de uma gama diferenciada de repostas do sujeito, respostas que denominamos de clínicas: inibições, sintomas, angústia, fenômenos elementares, fenômenos psicossomáticos. Todas estas manifestações podem ser lidas na escritura da cadeia borromeana, são respostas frente aos efeitos, aos movimentos, às invasões dos limites nesta cadeia de três dimensões que é a nossa existência.

Se vocês acompanham esta lógica, fica evidente que há para todos nós a possibilidade de produção das mais variadas respostas clínicas, sintomas não são exclusividade do grupo neuroses, assim como delírios e alucinações não são privilégio das psicoses e também as transgressões não são marca registrada das perversões. Bem, sempre soubemos disso, na medida que desde Freud não nos pautamos numa clínica fenomenológica. A diferença é que estas possibilidades de respostas variadas se tornam, nesta leitura que lhes apresento, um fato de estrutura e não mais uma montagem ou traços de um tipo clínico no outro. Com a expressão “um fato de estrutura”, quero indicar que a variabilidade de respostas está comportada na lógica, na escritura da cadeia borromeana pensada como estrutura. Assim, um sujeito pode estar psicótico e não sê-lo, pode neurotizar sua vida e não precisamos dizer que ele é neurótico, pode fazer muitas perversidades para consigo e os outros e não ser perverso. E mais, ele pode fazer tudo isto ao mesmo tempo: ter uma vida excessivamente regrada e ritualizada nos moldes obsessivos, o que não o impede de ter gozos perversos de várias formas ou de acreditar ser paranóicamente perseguido ou vigiado.

A tripartição freudiana se fundamenta na lógica edípica da castração, na fundação de um sujeito a partir da castração. Nesta outra lógica proposta por Lacan,em especial a partir da cadeia borromeana, o sujeito é parlêtre, é a perda estrutural de gozo introduzida pela linguagem e seus efeitos que nos caracteriza como sujeitos efunda a estrutura. Desta forma, a lógica edípica da castração deixa de ser o fundamentopara um diagnóstico, para uma classificação de acordo com a tripartição freudiana e adquire valor de leitura a respeito dos tempos do sujeito, tempos necessários de renovação de perdas de gozo, tempos de trabalho para o sujeito transformar a perdaestrutural de sua condição de parlêtre em falta, tempos que viabilizem um arranjo suficiente entre RSI, um enlace suficiente entre amor, desejo e gozo.

Que os arranjos e enlaces sejam suficientes, não significa que sejam absolutamente eficientes, ou seja, perfeitos. A estrutura é sempre falha, o sofrimento cotidiano na clínica e fora dela nos comprova este fato de estrutura. Como já vimos,uma psicanálise pode produzir formas menos sofridas de existir, pode viabilizar a criação de um saber fazer de outro modo, e, assim, diminuir os efeitos desta estrutura sempre falha. Nesta direção e acompanhando Lacan neste Seminário 23, fazer- se um nome é uma maneira de lidar com esta estrutura sempre falha na busca de rearranjos e enlaces que permitam mais tranquilidade, menos paralisia, mais criação, menos gozo podre. O nome que cada um faz e com o qual assina a autoria da obra que é a sua existência, o nome que cada um faz pode ter valor de Sinthoma. E, para tanto, não precisamos ser Joyce, escritor. Podemos ser, por exemplo, psicanalistas. Particularmente, acho este um nome muito interessante de fazer-se.

“Dígitos diminutos revelam-se tilintantes demais para frangalhonas frascárias. Anne escracha, flo escarrapacha – pode-se embora censurá-las?”

“Rochedo com abacaxi, limão cristalizado, amanteigado escocês. Uma garota açucarbesuntada padejando conchadas de creme para um irmão leigo. Alguma vaquinha escolar. Mau para os seus bandulhos. Fabricante de pastilhas e confeitos de Sua Majestade o Rei. Deus. Salve. Nosso. Sentado em seu trono, chupando jujubas vermelhas até o branco.”

“sim quando eu punha a rosa em minha cabeleira como as garotas andaluzas costumavam ou devo usar uma vermelha sim e como ela me beijou contra a muralha mourisca e eu pensei tão bem a ele como a outro e então eu pedi a ele com os meus olhos para pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu pus os meus braços em torno dele sim e eu puxei ele para baixo de mim para ele poder sentir meus peitos todos perfume sim o coração dele batia como louco e sim eu disse eu quero Sims.”

Autora: Zeila Cristina Facci Torezan
Membro da ALPL
zeilatorezan@associacaolivrepsicanalise.com.br

É só Castração?

Muitos podem ter pensado – Não é só castração, há a denegação e a foraclusão – e afirmo a vocês que a resposta para essa pergunta não reside no âmbito das formas de negações do Édipo.

Pretendo abordar neste trabalho as proposições de Lacan acerca das noções da relação da falta de objeto.

No momento em que pensava como seria este trabalho final, me confundia em textos já lidos, como se alguns conteúdos tivessem sido completamente apagados da minha memória.

Quero dizer, que eu já havia tido contato com essa proposição de Lacan sobre a relação da falta de objeto, constitutiva do sujeito, mas este contato foi por textos intermediários e não propriamente pela leitura do Seminário 4. Em 2013, realizei a leitura do livro “Introdução à psicanálise de crianças: o lugar dos pais”, de Michele Roman Faria, no qual ela retoma as três formas, propostas por Lacan, da relação de falta de objeto: a privação, a frustração e a castração.

No entanto, eu esqueci totalmente de dois modos em relação à falta de objeto. E em 2014, envolvida com a leitura do Seminário 4, em uma das reuniões de Cartel, cheguei a afirmar que era a primeira vez que lia sobre privação e frustração – Sempre li sobre a castração – Ai ai estava eu enganada!

Sabemos que o inconsciente é soberano, portanto eu não poderia deixar de mencionar aqui sobre esse esquecimento. Arrisco a dizer a partir disso, que fazer psicanálise não está somente no âmbito de ler e estudar, se trata sim, de uma experiência com a psicanálise. Então, que fique claro, a minha experiência de esquecimento a respeito de duas das três formas da falta de objeto e por isso, o meu interesse em falar sobre elas.

Com as atividades da ALPL e com o estudo do Seminário 4, percebi que meu conhecimento sobre a constituição do sujeito estava limitada à teorização do Complexo de Édipo (interdição do incesto e castração), o Estádio do Espelho e Narcisismo.

E o que mudou com a leitura do Seminário 4?

A mudança está no fato de que há de se considerar as formas pelas quais se estabelecem a relação de objeto, ou melhor, a relação com a falta de objeto: frustração, privação e castração. Conduzirei minha escrita pelo caminho de abordar a noção dessas três formas.

Lacan, no momento em que fala sobre essas formas, nos diz: “Jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir de uma noção da falta do objeto como central. Não é um negativo, mas a própria mola da relação do sujeito com o mundo” (Lacan, 1956-57/1995, p.35).

Ele toma o cuidado de retornar a Freud ao tratar do objeto, há de se atentar que o objeto é sempre perdido e que sua redescoberta é sempre insatisfatória.

Com a proposta de articular as formas da falta de objeto ao objeto (falo e seio) e suas dimensões (Real, Simbólico e Imaginário), Lacan apresenta um quadro, no qual se pretende relacionar a dimensão do agente Pai (Real/Imaginário) e Mãe (Simbólica) (Lacan, 1956-57/1995, p. 59).

Nessa relação, sigo com a noção de castração, sendo este um dos modos de relação com a falta de objeto. Está ligada a ordem simbólica, a noção da lei. E nos remete a pensar no arcabouço freudiano e sua teoria do Complexo de Édipo. Articulado a isso, temos com a leitura lacaniana, o entendimento de que o objeto (falo) está localizado no plano do Imaginário, a interdição imposta na figura do agente-pai (Real) cujo modo da falta de objeto se dá no Simbólico e nos diz como cada sujeito lidará com sua falta-a-ser.

Em seguida a outra noção, a frustração, na qual o modo da falta de objeto está ligada a dimensão Imaginária e que segundo Lacan (1956-57/1995), está ligada a experiências pré-edipianas, em uma relação com o objeto real, o seio materno, tem como agente, a mãe, no campo simbólico. A frustração opera, diante de uma recusa da mãe, uma recusa não do objeto de satisfação (seio) e sim uma recusa do dom (amor) “(…) na medida em que o dom é símbolo do amor” (Lacan, 1956-57/1995, p.184)

Existe, então, uma dialética de presença e ausência – ora a mãe está presente com o objeto de satisfação (seio)/dom (amor), ora está ausente e veja que de alguma forma, enquanto agente, a mãe está, porém sem o objeto símbolo de amor.

Sendo assim, “(…) com a noção de frustração introduz-se no condicionamento, no desenvolvimento do sujeito, todo um cortejo de noções que se traduzem numa linguagem de metáforas quantitativas – fala-se em satisfação (…) – ou, ao contrário, carência (…)” nos diz Lacan (1956-57/1997, p. 62). A criança neste momento já está imersa na ordem simbólica, vejamos o que diz Lacan (1956-57/1995, p.184): “Isso  quer dizer que ela já está totalmente engajada, o que implica a existência da ordem simbólica”.

De maneira a tentar alcançar essa noção pensei no exemplo freudiano, citado por Lacan, o jogo do “Fort-da” em que a criança lança o carretel para longe e sobre a cortina de seu berço – sem condições de vê-lo – o traz de volta, para perto, vocalizando o som do “oooo-daaaa”. A metáfora está aí colocada no jogo dessa criança, ou seja, há a presença e ausência do carretel, sendo possível compreender a presença da metáfora (jogo/vocalização) ausência e presença da mãe.

Há nesse modo de falta de objeto, frustração, uma realidade de falta (objeto/seio) imposta, que se articula a um agente simbólico (mãe-ausente/presente), ligada a questão do dom, ou melhor, como já disse do objeto de amor.

Muitos são os exemplos clínicos trabalhados por Lacan para dizer sobre as formas singulares manifestadas pelos sujeitos em relação à frustração, quero dizer com isso, que não há uma receita para apreender na clínica a manifestação do modo pela qual a frustração se dá. Assim, os casos aqui mencionados, apenas ilustram essa
forma de falta de objeto, para aquele sujeito em particular.

Lacan discorre acerca de um caso atendido por Freud, da jovem homossexual, em que certo momento de sua história, esperou receber uma criança, e ele nos diz: “Uma criança é dada pelo pai, é verdade, mas justamente a outra pessoa, e a alguém que lhes é mais próximo” (p.110), ou seja, é dada uma criança à mãe.

Vejam só, ele trabalhou com a singularidade desse sujeito, diante da relação da falta de objeto real (criança) cuja posse é de sua mãe, podemos ver com as palavras de Lacan que: “A presença da criança real, o fato do objeto ser aí, por um instante, real, e de ser materializado pelo fato de ser sua mãe quem o tem a seu lado, vai conduzi-la ao plano da frustração” (1956-57/1995, p.110).

A frustração é então, uma forma de falta de objeto, que envolve para além do agente (simbólico) o objeto real identificado ao dom, o que permite ao sujeito fazer apelo ao que lhe falta. Como havia dito no começo, a experiência com a psicanálise segue para além dos estudos, a análise pessoal, o cartel, os estudos e a supervisão proporcionam tal experiência e conto a vocês uma parte da minha.

Em uma dada sessão, logo no início, peço a minha analista um outro horário, para a semana seguinte, devido a impossibilidade de estar na próxima sessão e digo “é porque não quero perder o horário da semana que vem”. Ela me interroga a respeito do significante perder e sigo falando sobre ele, ao final da sessão ela me diz “você me pede para não ter uma sessão” e encerra o atendimento com a pontuação de que não atenderia o meu pedido de um outro horário, saí desapontada e me questionando, como ela poderia me negar uma sessão?

Na mesma semana, em estudo no dispositivo de Cartel, minhas colegas mencionam uma frase escrita por Lacan em uma de suas aulas, e leio para vocês a frase: “Eu te peço para recusar-me o que te ofereço – porquê: não é isso”. Aqui ficou evidente para mim que fazer psicanálise é ter uma experiência, no plano da vivência, de experimentar os efeitos que ela tem. O ocorrido na minha sessão de análise estava ali no plano da frustração, ou seja, estava eu ali oferecendo um pedido para não lidar com aquilo que me falta, experimentei ali uma falta imposta e marcada (falta real/sem sessão) mas, sobre a qual, me sentia autorizada a apelar que fosse concedida outra sessão para não perder/não faltar.

Para continuar, sigo com mais uma apresentação de Lacan, sobre a frustração, diante de uma caso de anorexia: “(…) não é um não comer, mas um comer nada (…)” e “(…) Nada, isso é justamente algo que existe no plano simbólico”(p.188).

Mais uma vez a linguagem está imposta ai, no modo singular, em que cada sujeito se posiciona frente a falta de objeto.

Sobre a noção de privação, modo de falta de objeto, ligado ao ordenamento do Real, o pai (agente) aparece como privador, se trata de um pai (Imaginário), que age sobre um objeto (simbólico), a saber, o falo (Simbólico). (Lacan, 1956-57/1995).

A privação marca uma falta à criança justamente por aquilo que supostamente a mãe teria e que com a ação do pai faz com que, o interesse da mãe por este, fique evidenciado, e revela que a ela também falta o falo.

Para ilustrar, Lacan, faz analogia com um livro de uma biblioteca, o qual não é encontrado na estante em que está referenciado no catálogo, ou seja, o livro pode ser identificado e procurado na biblioteca, mas se ele estiver sendo usado por outro, ou ainda estiver no setor de devolvidos, a biblioteca estará privada do livro. Isso consiste em dizer que o simbólico (a organização da biblioteca está antes formulada) e depois a falta (do livro/real). “Quando digo que, em se tratando da privação, a falta está no real, isso quer dizer que ela não está no sujeito. Para que o sujeito tenha acesso à privação, é preciso que ele conceba o real como podendo ser diferente do que é, isto é, que já o simbolize” afirmou Lacan (1956-57/1995, p.55-56).

Tendo discorrido sobre as três noções da falta de objeto, percebo que neste Seminário, Lacan, apontou que esses três modos de falta de objeto operam ao mesmo tempo, mas que é preciso distingui-las, pois muitos analistas interviram de forma equivocada por não reconhecer a diferença entre as relações de falta de objeto.

Em suma, uso as palavras de Lacan: “Na castração, há uma falta fundamental que se situa, como dívida, na cadeia simbólica. Na frustração, a falta só se compreende no plano imaginário, como dano imaginário. Na privação, a falta está pura e simplesmente no real, limite ou hiância real” (p.54)

Exposto tudo isso e com a experiência de ter participado desse Cartel e das atividades da ALPL, afirmo que a constituição do sujeito tem que ser abarcada para além dos modos de negações do Édipo. Isso implica em dizer que, a determinação de um sujeito se dá no campo da linguagem, marcadamente pelas dimensões do Real,
Simbólico e Imaginário.

Autora: Marana Tamie Uehara de Souza

 

Referência Bibliográfica

Lacan, J. (1956-1957). O seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEd., 1995.

Faria, M.R. Introdução à psicanálise de crianças: o lugar dos pais. São Paulo: Hacker Editores: Cespuc: FAPESP. 1998.

O Sujeito e Sua Escrita Através do Sinthoma

Primeiramente gostaria de dizer algumas palavras sobre a importância do presente trabalho para mim. É um trabalho que é fruto dos efeitos do generoso ensino dessa importante figura no cenário psicanalítico, Aurélio Souza, que está aqui nos escutando e nos prestigiando; mas, sobretudo, este trabalho que compartilho com vocês, hoje, testemunha o entusiasmo que se renova a cada texto e seminário lido e, principalmente, testemunha a renovação do meu desejo de acolher o sofrimento
de nossos pacientes.

Acolher o sofrimento alheio a partir de uma posição que para mim é nova, mas que trouxe efeitos que acredito que favorecem a minha sustentação do desejo do analista. Trata-se de uma posição que faz da psicanálise lacaniana uma prática respeitosa, acolhedora e que tolera as manifestações sintomáticas e dificuldades de nossos pacientes, uma vez que pode ser o melhor que o sujeito pode ter naquele momento. Enfim, podemos fazer dela uma prática suave. Mas vejam bem, não confundamos tudo isso o que disse. Conduzir uma análise ou deitar no divã não é, de maneira alguma, algo fácil. Muito ao contrário, todos sabem da dificuldade que é isso!

Para ilustrar o que estou dizendo e marcar a diferença entre a “velha escuta” (porque eu utilizava) e uma “nova escuta” vou contar uma anedota sem mencionar nomes. Certo dia estava lendo, com interesse e entusiasmo, um texto de um psicanalista de renome. Ao descrever um caso, disse que seu paciente, em certa sessão, estava enchendo linguiça e o que dizia era somente para agradá-lo. Fazia associações que não eram associações, mas falas vazias. Neste exato momento simplesmente perdi todo o interesse sobre seu texto. No entanto, quem aqui já não pensou isso de nossos pacientes: “esta sessão não rendeu; o paciente não trouxe nada de novo; só se defendeu e resistiu; etc.”. Confesso que já fiz dessa forma e por isso acho importante compartilhar algumas questões que surgiram a partir do texto citado: o que dava ao suposto psicanalista o direito de supor que o que o seu paciente dizia era uma fala vazia destituída de verdade? A partir do quê, de quais referências, que podia fazer tal afirmação de que seu paciente estava enchendo linguiça?

Depois de ter começado a me aproximar das formulações lacanianas que irei apresentar hoje, vi a extensão e compreendi a potência da recomendação que Aurélio faz para todos os seus pacientes, que é: “Tudo o que disser em análise, eu acredito; isto é, o tomo como Verdade”. Esta recomendação que faz Aurélio para seus pacientes vai na contramão do modelo clínico do psicanalista citado, pois este modelo – do psicanalista da anedota – parte de um suposto de que existe uma Verdade inconsciente que o ego recalca e cuja função do analista é encontrar a tal Verdade. Portanto, a Verdade estaria no interior e o analista deve, a partir do exterior, arrancar tal Verdade. O analisante mente e o analista é responsável por retirar, arrancar, encontrar a verdade do paciente através dos atos falhos, dos sonhos, dos chistes, etc. Este, para mim, é o velho modelo.

Pois bem, é justamente sobre um fazer analítico que meu trabalho versa e que vai de encontro com esta recomendação que Aurélio faz para seus pacientes, que coloca a verdade não como algo que deve ser encontrada, e sim como construída. E foi pensando nesta ideia de construção que pensei o título do meu trabalho: “O Sujeito e sua Escrita através do Sinthoma”. Quando o pensei, intentei jogar com um duplo sentido, com um equívoco. Deste título, podemos depreender dois significados: 1) de que o sujeito escreve algo através do sinthoma; ou 2) o sujeito se escreve, se constrói, através da escrita do sinthoma. Optei, então, pela segunda acepção. Neste sentido, se produz uma frase incômoda, uma vez que a tendência, para aqueles que não têm intimidade com o tema, seria pensar que para que haja escrita é necessário a existência prévia de um sujeito. A segunda acepção do título afirma justamente o contrário, de que o sujeito surge na medida mesma em que começa a escrever o sinthoma, isto é, se produz simultaneamente ao ato de escrever.

Para aclarar, faço uma comparação entre dois modos de se pensar o sujeito que está em Lacan. No Seminário 11, por exemplo, o sujeito é o que está entre dois significantes. Sua principal característica é a de ser evanescente e obedecer uma pulsação temporal. No entanto, no Seminário 23, Lacan afirma que há sujeito quando ocorre um ato de fala que se propõe a construir uma verdade, através da escrita do sinthoma (p. 31).

Sinthoma, aqui, é com th. É uma forma de escrita antiga que Lacan utilizou no seminário 23 para aludir a um elemento que faz junção, que enoda a cadeia borromeana, enlaçando Real, Simbólico e Imaginário. Aqui já lhes adianto que existe uma divergência entre os psicanalistas sobre este conceito. Alguns acreditam que o sinthoma serviria apenas para os casos de psicoses; e outros acreditam que o quarto nó, que é o sinthoma, está presente em todos os sujeitos pois se trata de um elemento singularizador, isto é, que regula o  funcionamento de cada um. Neste sentido, então, acabaríamos de vez com a ideia de que existe a tão famigerada ideia de estruturas clínicas estanques e permanentes. Há, ao invés disso, modos de funcionamentos do sujeito (psicótico, neurótico e perverso) que são efeitos de um enodamento através do sinthoma.

Tenho razões para acreditar, a partir da leitura do seminário, que o sinthoma está presente em todos os sujeitos, e não somente em psicoses, e que é passível de sofrer deslocamentos, ser reescrito a todo o momento em que o sujeito se coloca a falar. Lacan, ao mostrar como se opera na escuta jogando com a homofonia, com as partículas das frases, com as letras, faz a seguinte afirmação: “temos apenas o equívoco como arma contra o sinthoma” (p. 18). Isto nos leva a pensar que existe um sinthoma, anterior, que regula o funcionamento do sujeito, mas que com a análise podemos operar deslocamentos através dos equívocos produzidos pelo paciente reorganizando a cadeia borromeana.

Ademais, Lacan afirma, também, que o sinthoma é uma pai-versão. Isto é, uma versão construída do pai que organiza o funcionamento do sujeito, pois, como vimos, faz a amarra entre as 3 cordas: Real; Simbólico; e Imaginário. Lacan, portanto, diz que a análise permite, através dos equívocos, reescrever novas versões do pai para reorganizar a estrutura do sujeito; o que pode resultar em menos sofrimento. Gostaria de frisar, mais uma vez, que a partir desta leitura, deste modelo teórico, fica insustentável a ideia da divisão das estruturas clínicas (neurose, psicose e perversão) como organizações subjetivas estanques; fixas e eternizadas. Pois, neste modelo teórico, por exemplo, a forclusão do nome-do-pai se trata apenas de uma versão do pai escrita pelo sujeito, que produz efeitos psicóticos. Assim, o sujeito poderia reescrever uma nova versão do pai, um novo sinthoma, que pudesse sair dessa posição psicótica. Portanto, o sujeito não é mais vítima do Outro. O sujeito passa a ser
responsável por seu sofrimento pois é de sua responsabilidade a organização e o enodamento da cadeia borromeana através da escrita do sinthoma.

Um outro ponto que está contemplado no meu título e que foi apenas abordado tangencialmente até aqui, é o termo escrita. Isto é fundamental para se pensar este outro modelo de clínica que não é mais pela via do significante e do significado e sim pela via da letra, do fonema, do som, da polifonia. A impressão que tive do seminário 23, após este cartel, é que a tônica está nesta temática da escrita e não de Joyce. Joyce é apenas o suporte para Lacan sustentar este modelo clínico que não é mais da ordem da escuta e sim da leitura. Portanto, o analista não escuta, mas lê. Muitos leitores deste seminário ficam tão presos à discussão se Joyce era ou não era psicótico, se o sinthoma faz ou não faz suplência, que  deixam escapar algo que insiste em aparecer em quase todas as páginas, que é a fundamentação e ilustração de um outro modelo clínico: a passagem do significante para a letra.

Após o término do Cartel, nos momentos em que ainda estava saboreando todos os enigmas que contemplam o seminário 23, vinha sempre a pergunta: “Por que Joyce?”. “Por que Joyce fisgou tanto Lacan?”. Por enquanto, a resposta que encontrei é a que compartilho hoje com vocês: que Joyce apenas ilustra o conceito de escrita e leitura em psicanálise. Acredito que Lacan encontra em Joyce o suporte daquilo que o analista deve fazer em análise, que é transformar significantes (a fala do paciente) em letras, em escrita. Isto não significa que o analista deva ficar com papel e lápis na mão escrevendo a fala do paciente, e sim de poder pensar que os significantes e as palavras são, em análise, um aglomerado de letras que produzem sons. Está ai, talvez, o encantamento de Lacan por Joyce, pois Joyce faz exatamente isso: subverte toda regra gramatical e faz dos significantes apenas aglomerados de letras que emitem sons, que podem ou não ter sentido. Para ilustrar essa ideia, que é totalmente abstrata, me apoio em Joyce para dar um pouco de concretude a essa proposta de transformar significantes em aglomerados de letras. Vou ler uma citação de Joyce e escutem a minha fala:

rolarrioanna e passa por Nossenhora d”Ohmem’s, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por cominhos recorrentes de Vico ao de Howth Castelo Earredores”.
rolarrioanna (rola; rolar; lar; larri; lá, ri; rio; riu; riu Ana; ã? na…?; etc.)

Enquanto eu lia para vocês essa citação de Finnegans Wake de Joyce, certamente um sentido foi produzido através dos sons emitidos, pois ainda estava no plano do significante, portanto da escuta. Mas agora, quando projeto essa citação e todos são capazes de ler o que estava escrito, podem perceber que alguns significantes são apenas aglomerados de letras que emitem sons destituídos de um referido significado. Portanto, seria exatamente esta manobra que deve ser feita na análise quando se propõe fazer a passagem de uma escuta da fala para uma leitura das letras do analisante.

Neste sentido, então, não são os significados dos significantes que afetam o analisante. O que passa a afeta-lo é o som que as letras são capazes de produzir e que fazem eco no sujeito. Quando estes ecos são produzidos é que podemos considerar que tocamos em pontas de real. E a partir desses ecos é que permitimos ao analisante ir rescrevendo um novo sinthoma que possa regular seu sofrimento.

Para finalizar, cito um trecho de Lacan que está na página 93: “é por intermédio da escrita que a fala se decompõe ao se impor como tal, a saber, em uma deformação acerca da qual permanece ambíguo saber se é caso de se livrar do parasita falador de que lhes faleis há pouco ou, ao contrário, de se deixar invadir por propriedades de ordem essencialmente fonêmica da fala, pela polifonia da fala”.

 

Autor: Edinei Hideki Suzuki

Angústia e estrutura do sujeito

Este trabalho é fruto de um cartel, que durou dois anos, e que se dedicou a estudar o Seminário 10 – A Angústia. Portanto, é uma leitura da psicanálise anterior a chegada da cadeia borromeana, mas que contribui, imensamente, para pensarmos sobre o estatuto do objeto a e sobre a ideia que Aurélio apresentou sobre o conceito de gozo e real. Já advirto que este seminário não é o ponto final do conceito de angústia, mas o começo. Sabemos que até o seminário RSI este conceito sofre algumas modificações. Mas pelo que li até agora, pude perceber que uma das diferenças entre o conceito de angústia deste seminário e do seminário 22 é que neste seminário a angústia está atrelada ao Outro, e no seminário 22 está atrelada a dimensão do registro do real, portanto do gozo. Só por este fato, o estudo do seminário já se justifica, uma vez que para começar a compreender esta difícil noção de gozo, penso que é necessário compreender o desenvolvimento que Lacan começa a fazer sobre o objeto a, neste seminário.

A minha proposta é discutir uma ideia que é colocada por Lacan que faz, ao longo do seminário, uma aproximação entre a estrutura do fantasma e a estrutura da angústia. Para deixar indicado o caminho que percorrerei no meu trabalho, apresento a questão que me fiz, que é a seguinte: sendo a estrutura do fantasma a mesma da angústia, o que opera a passagem de uma para outra? Isto é, por que a estrutura do fantasma afeta o sujeito de uma forma e a da angústia de outra se se tratam de uma mesma estrutura?

Para começar a responder essas questões, parto do ponto em que Lacan apresenta o quadro de divisão do sujeito. Neste quadro, Lacan vai fundamentar a lógica que organiza alguns elementos de sua álgebra – seu sistema formal de letras, que muitos chamam de álgebra lacaniana.  O que podemos visualizar nesse quadro de divisão é a lógica que sustenta um dos pilares fundamentais do seminário que é: entre o sujeito e o Outro não existe uma medida comum, pois sempre resultará em um resto desse processo de divisão. É como se tentássemos dividir 7 por 6. O 6 sendo o divisor e o 7 o dividendo. Desta divisão, 7 dividido por 6, o resultado, o quociente, é 1,1666… e sempre terão dois restos: 1 e o 4. Este último sendo permanente. Sabemos, pois, que a este resto permanente Lacan vai identificar o objeto a. Mas, além do objeto a, outros elementos são decantados desse cálculo. Se fizermos toda leitura do processo divisão do sujeito, ficaria da seguinte forma: quantas vezes o sujeito (divisor) cabe no Outro (dividendo)? A resposta deste cálculo, o quociente obtido, seria: (A/). Isto é, o sujeito cabe no Outro quantas vezes for possível desde que o Outro seja faltante, seja barrado. O primeiro resto desta divisão seria a marca do Outro como desejante ($) e o segundo resto, o permanente, seria o “a”. A partir deste Seminário, Lacan vai passar a chamar este objeto a, resto do processo de divisão do sujeito, como objeto causa do desejo. Portanto o objeto a nunca poderia ser considerado um objeto da realidade, da consciência, do sujeito. Ele não é o alvo, mas é causa, é motor do desejo. O alvo do desejo é o objeto recoberto pelo imaginário. Assim, o objeto a seria o número que indica que para que exista um sujeito desejante, não deve haver encaixe perfeito entre o sujeito e o Outro. 

Gostaria de ressaltar que este cálculo proposto por Lacan não segue a risca as normas matemáticas, pois não se trata de matemática, e sim de um sistema formal denominado álgebra lacaniana.

Pois bem, a partir deste cálculo, como pensar a estrutura do fantasma e da angústia? Sobre a estrutura do fantasma, Lacan é categórico em dizer que está do lado do Outro. Isto nos faz pensar que se a montagem do fantasma está do lado do Outro, cabe ao sujeito responder a este fantasma. Penso que aqui acontece o que Lacan disse, neste seminário, da criação, por parte do sujeito, de uma falsa demanda. Falsa demanda não no sentido de que seja algo inexistente; mas de que seja algo construído pelo sujeito, uma demanda suposta, uma vez que o fantasma está do lado do Outro. Portanto, o sujeito constrói uma suposta demanda no Outro que tenta responder a partir de um ideal imaginando que de alguma maneira este feito pode ser alcançado. Não consegue alcançar porque não é suficientemente capaz e competente de fazê-lo. Outras pessoas conseguem, menos ele. É assim que o campo sintomático está, então, colocado e organizado. Tenta-se, a partir de um recurso imaginário, obturar a falta do Outro, anular o (A/). Lacan vai dizer que o sujeito veste imaginariamente o objeto a para responder a esta estrutura fantasmática com o único objetivo de não se a ver com a falta do Outro.

Agora falarei um pouco da estrutura da angústia para tentarmos trabalhar a afirmação de Lacan de que a estrutura do fantasma é a mesma da angústia. Lacan, em vários momentos, diz que a  angústia é um afeto que surge quando falta a falta. Isto é, quando a falta do Outro (A/) pode desaparecer é que o afeto da angústia aparece como um sinal. Vai afirmar, em vários pontos do seminário, que a angústia surge quando algo que deveria ficar oculto, aparece. Articula este algo que aparece e que produz angústia com o objeto a. Se retomarmos o cálculo da divisão do sujeito para tentar ilustrar essa ideia, é como se por algum acidente o cálculo 7 dividido por 6 desse um resultado exato, sem resto, o que indicaria um encaixe perfeito entre divisor e dividendo, entre o sujeito e o Outro. Isto, como vimos, implicaria numa anulação total do (A/) e o Outro não seria faltante e nem desejante, consequentemente tampouco o sujeito.

No entanto, penso que temos de pensar sobre essa ideia de aparição do objeto a. Aparece onde e como? Uma vez que é um objeto totalmente abstrato, pensado a partir de um cálculo lógico que não corresponde com a realidade concreta. Inclusive, para não deixar dúvidas de que esse objeto a não participa de nossa realidade concreta, Lacan vai dizê-lo a partir de figuras topológicas. Bom, penso que é importante abrir um parênteses aqui. Quando estou dizendo sujeito e Outro não estou falando de seres concretos, pois não se trata, como Lacan já nos advertiu, de uma ontologia. É importante ressaltar que quando digo “lado do Outro” e “lado do sujeito” não se trata de dois entes, por exemplo, a mãe e o bebê ou a criança. Ao contrário disso, trata-se de dois lugares lógicos e totalmente abstratos que respeitam as leis da álgebra lacaniana e que nos servem para pensar a estrutura do sujeito; no meu trabalho, por exemplo, a estrutura do fantasma e da angústia. Penso, inclusive, que seja por isso que Lacan utiliza o recurso matemático para falar disso. Para nos advertir que, ao teorizarmos, não devemos nos apoiar, demasiadamente, em entes, em pessoas, para que não façamos da psicanálise uma ontologia.

Fechando o parênteses e retomando a estrutura da angústia. A partir do texto de Lacan é afirmado que a angústia surge não pela aparição do objeto a para o sujeito, mas, ao invés disso, surge quando o sujeito se depara com a aparição daquele que evoca o objeto a, portanto o Outro em sua dimensão devoradora e enigmática. Se pensarmos no caso do Homem dos Lobos e nos interrogarmos o porquê do sonho dos lobos ter produzido tamanha angústia, podemos chegar à conclusão de que os lobos trepados na nogueira, enquanto elementos que apareceram para o paciente de Freud, não eram o objeto a. Ao contrário disso, podemos pensar que os lobos representavam aquele que evoca o objeto através do paciente de Freud. Assim, a angústia sinal surge quando o objeto aparece e o sujeito está identificado a ele, ao objeto a. No caso do Homem dos Lobos, ele estava identificado ao objeto a olhar – relacionado à pulsão escópica.

Se considerarmos, juntamente com Lacan, que o objeto a corresponde ao que Freud chamou de objeto parcial da pulsão, talvez possamos pensar na principal diferença entre a estrutura do fantasma e da angústia. Na estrutura do fantasma, mesmo que o sujeito se coloque como um objeto que tenta tamponar a falta do Outro, este objeto está vestido imaginariamente com o brilho narcísico de um suposto ideal. Por outro lado, se pensarmos na estrutura da angústia, o objeto que aparece é o objeto pulsional sem a vestimenta imaginária, portanto totalmente fragmentado. O sujeito estaria identificado ao objeto pulsional oral, anal, escópico ou invocante. Objetos de exclusivo domínio do Outro que teriam propriedades de ser uma merda, dejeto, fétido, mastigado, invadido, destruído, dentre outros.

Outra diferença importante entre a estrutura do fantasma e a estrutura da angústia diz respeito aos efeitos que cada estrutura produz. A estrutura do fantasma, como dissemos, tem prioridade de organizar o campo sintomático do sujeito. Portanto, de estar enredado numa falsa demanda, construída pelo próprio sujeito, e que o faz sofrer. Por outro lado, os efeitos da estrutura da angústia atentam muito mais contra a vida do sujeito, podendo levar ao suicídio ou a atuações que causem danos graves e irreversíveis ao sujeito. Para não chegar a angústia, o sujeito tem dois recursos: a passagem a ato e o acting-out. A passagem a ato sendo o recurso mais radical, em que o sujeito se precipita para fora da cena para sair dessa identificação maciça com o objeto a pulsional; e o acting-out sendo um recurso que o sujeito tem para solicitar uma intervenção do analista para que o retire dessa identificação. É uma mostração dirigida ao analista, que está na mira transferencial, em que se pede uma intervenção que possa resgatar os recursos simbólicos e imaginários.

Para encerrar e ilustrar essa ideia de acting-out como efeito da angústia, apresento um fragmento de caso, que alguns já conhecem pois trabalhei num contexto mais íntimo e privado. Trata-se de um caso encerrado e antigo de uma adolescente. Foi levada com a queixa de que tinha sérios problemas com o cumprimento das regras na escola. Era agressiva, desrespeitava todas as figuras de autoridade, mas o que mobilizou os pais foi o fato de que começou a roubar os colegas e a escola. Era uma filha adotada e naquele momento os pais diziam que estavam pensando que sua filha não teria mais jeito, que ela era assim mesmo e que só lhes restaria assistir, passivamente, o terrível futuro que estava reservado a ela. Atribuíam essas características aos pais biológicos. A filha, segundo eles, tinha herdado os genes ruins dos pais. A paciente não gostava de falar sobre a adoção. Talvez, o que fosse insuportável para ela era saber que foi “abandonada” pelos pais, uma vez que tinha irmãos biológicos dos mesmos pais e que não foram retirados e nem dados para adoção. Pois bem, quando a adolescente  chega até mim, tudo acontece sem a menor dificuldade. Brinca, fala, interage, tudo aparentemente bem. Responde docilmente a minha demanda. Percebam aqui a estrutura do fantasma e o lugar de não analista que ocupo. Se demando tudo isso, vacilo de meu lugar presença de analista. Mas, de repente, começa a se tornar agressiva, inquieta e começa a estragar os brinquedos que trazia ou que tinha em minha sala. Arremessava os brinquedos na parede e, sem querer querendo, acertava em mim. Neste período fico sabendo, através dos pais, que estes decidem seguir suas vidas e, consequentemente, deixar que a filha se vire – isso apenas com 13 anos! Deixa a filha morando com a irmã mais velha e alugam um apartamento para os dois. Logo em seguida a adolescente não aparece mais nas sessões e nunca mais a vejo. Muito tempo depois repensei este caso; para ser mais preciso, quando comecei a estudar o seminário 10. Penso que, talvez, essas destruições dos brinquedos era um acting-out, em transferência, para me mostrar a identificação que estava fazendo com esses objetos estragados, quebrados, destruídos, merdificados, que só lhes restariam a lixeira como destino. Afinal, mais uma vez estava sendo dejetada pelos pais. Talvez, se pudesse ter feito alguma intervenção neste momento, a história poderia ter sido outra; ela poderia ter conseguido se afastar dessa identificação com o objeto pulsional e poder falar, simbolizar, como era para ela ter uma história em que se sentia como um objeto quebrado, estragado, que só lhe restava o abandono, o lixo. Acredito, também, que boa parte desta elevação do nível de angústia era de minha responsabilidade, por demandar excessivamente que falasse, que brincasse, que cumprisse o protocolo. Penso que por não ter podido ocupar a função de analista, ocupei o lugar daquele que evoca o objeto – o Outro da angústia. O que lhe restou, como única alternativa, foi deixar-se cair da sessão, precipitar-se para fora da cena que estava identificada ao objeto pulsional.

 

Autor: Edinei Hideki Suzuki

Os Pronomes na Posição Estrutural da Criança

Sujeito e Estrutura, quem é este pequeno sujeito do discurso do Outro? E que posição estrutural por vezes subversiva, se autoriza e é autorizado a transitar e, desta forma, apresentar diferentes sinthomas em busca de sobrevivência em seu contexto familiar e social? Pretendo, por intermédio deste escrito, fazer algumas considerações de possíveis colocações linguageira às demandas de crianças na formação estrutural a qual esta submetida.

Lacan (1967) escreve a respeito do infans como àquele que vem ocupar um lugar marcado pelo desejo materno, se alienando na imagem de um Outro. Isso instaura uma relação dual, especular, imaginária, onde a criança sofre de uma dependência quase que total na demanda pelo amor da mãe, capturada por este olhar com o qual ela se identifica e se aliena. Freud (1897) posiciona o papel fundamental do narcisismo parental como retorno e reprodução de seu próprio narcisismo, porém, a mãe no seu desejo narcísico da dimensão a sua fantasmática e, podendo fazer operação alienatória com o bebê, onde o mesmo não possa sair da sua dependência e, neste caso, o eu fica fragmentado e ligado a uma extensão parental necessitando de um Outro para responder por ela.

Também coloca o pai com a função primordial como operador do interdito. Naturalmente não se trata do pai enquanto presença ou ausência concreta, mas enquanto dimensão simbólica que exerce uma dupla castração, ambas a mãe e criança, um interdito que introduz a Lei e, desta forma, possibilita à criança entrar na ordem da linguagem. São operações necessárias, alienação e separação, para que a criança saia da posição de ser objeto de desejo da mãe, para que possa se constituir como um sujeito desejante.

Portanto o desenvolvimento do ser humano sua posição estrutural psíquica está relacionada com os tempos do Real, Simbólico e Imaginário conceituado por Lacan (1971) e, mediante aos seus tempos lógicos o possibilita a saída da posição de ser o objeto a vir a ser sujeito de desejo. A respeito destes tempos a psicanalista Alba Flesler (2012) se utiliza da leitura de Freud e Lacan, e apresenta os tempos do sujeito no qual me detenho a descrever os três primeiros, pois, se refere à pequena criança. Desta forma o primeiro tempo descrito é o da criança de ser ou não o falo da mãe onde um Outro propõe e o bebê responde, se realiza uma alienação garantindo de certa forma às condições de sobrevivência do bebê. Em um segundo tempo é pulsante, pois a criança vê a castração do Outro primordial onde antes se dizia sim a criança, deverá responder não, para que se possa permitir que a separação se opere e, é neste tempo de alienação e separação em que o sujeito se efetua como resposta. No terceiro tempo o desejo dos pais dá ao pequeno sujeito um lugar, não mais de ser o falo, mas um lugar que legitima ter o falo e após este dá início a um tempo para compreender.

Na atualidade estamos vivenciando diversas adversidades que permeam determinados contextos familiares e sociais e, desta forma, a criança, permeia e fica marcada em uma posição de dependência estrutural frente a estas, uma vez que há um entrelaçamento do seu sinthoma a demanda, ela encontra uma forma de sobrevivência e busca ser aceita pelos pais e pela sociedade em que vive. Lacan (1969) faz apontamento onde, o “(…) o sintoma da criança é capaz de responder ao que há de sintomático na estrutura familiar.” Lacan faz uso da homofonia descrevendo como sinthoma com “h” da ordem da enfermidade psíquica, como o “Sintoma da estrutura ou da formação inconsciente da estrutura, com que o sujeito responde a demanda do outro”. A partir dos efeitos entre o imaginário, simbólico e real, Maud Mannoni (1987) relacionou o sintoma da criança em relação ao discurso, pois na relação da criança com o Outro simbólico (lugar da palavra), ou com o outro imaginário, não se trata de diálogo e sim de discurso.

O sintoma é criado, construído, é uma produção originária do próprio sujeito. Dos diferentes sintomas que a criança apresenta, serve para fazer um corte ou ir em direção à demanda do Outro. Portanto, para Zornig (2001 p.186 e 187) a neurose infantil pode indicar o “processo de construção da realidade psíquica do sujeito, em que os sintomas constituem uma tentativa de interpretação e de subjetivação podendo ser reeditada na neurose infantil é repetida” complementa “como um remanejamento fantasmático do sujeito sobre sua própria infância, permitindo-lhe reescrever sua história”. Os sintomas neuróticos na infância, para autora, de uma forma estão ligados aos sintomas parentais e na inserção do trabalho analítico, possibilita a criança na elaboração das suas próprias questões, construindo sua neurose infantil.

Nos escritos Os complexos Familiares, Lacan (1938/1987, p. 13) aponta que “entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura”. Portanto, faço aqui inferência a respeito do social de forma exacerbada na atualidade, no que se diz respeito ao meio em que vivemos, há um atravessamento nas demandas externas concomitante com as dos pais direcionadas a infância. E mediante ao lugar dado a pequena criança de acordo de como seu buraco constitutivo foi enodado pelo RSI, vai apresentar sinthomas e Outro social os confirma medicando para justificá-los nas suas inquietações e deficiências entre outros percebidos por ele e cuidadores.

Retomando a temática deste escrito, para elucidar sucintamente o uso da palavra pronome, a qual permite fazer apontamento de como o Outro faz nomeação e significa o outro. Lacan se apropriou de alguns conceitos linguísticos para desenvolver e evidenciar de que o inconsciente é estruturado como linguagem. Portanto a função da linguagem enquanto para a linguística é a comunicação, para a psicanálise é a evocação. A fala como ato de discurso, e não como ato de fonação, implica sempre dirigir uma mensagem para alguém, demandando uma resposta. Neste sentido, é através da fala que se realiza a função da linguagem.

A partir das operações constitutivas apresentadas anteriormente neste escrito, quando algumas não estão presentes ou não realizados, por exemplo, da alienação primordial ao não realizar a separação, possibilita a pequena criança a permear uma constituição estrutural psíquica psicótica, onde o mesmo possa apresentar uma linguagem de referencia a si mesmo na terceira pessoa não se identificando como sujeito singular ou seja não tendo um discurso próprio. Por outro lado existem as demandas familiares e sociais que faz com que sujeito apresente um eu que se faz necessário para sobreviver diante das adversidades vivenciadas. Um eu que se constituí subjetivamente permeando uma estrutura esburacada pela linguagem.

Esta estrutura faz com que este eu possa se fazer perceber e ser percebido. E, a respeito destas percepções, Lacan nos seus escritos do estádio do espelho, faz referencia à imagem como papel fundadora na constituição do eu e na matriz simbólica do sujeito, definindo a identificação, nessa perspectiva, como “a transformação produzida no sujeito quando assume uma imagem”, portanto, uma imagem de um sujeito de borda que, quando marcado pela falta, desfragmentado se veste e é vestido para responder seu próprio gozo e, por vezes, o gozo do Outro.

Lacan apresenta a imagem corporal como capaz de um efeito formador. Por meio de uma identificação primordial do sujeito com a imagem, no qual constitui uma subjetividade, fase esta que está relacionada ao estádio do espelho. Um momento lógico na estruturação do sujeito, ou seja, ele “não é simplesmente um momento do desenvolvimento”, mais, um estatuto fenomenológico e estrutural.

Para finalizar não posso deixar de citar, os quanto determinados sujeitos estão vivendo com intensidade e compromisso a sua formação profissional no intuito de responder o mercado de trabalho e o social de forma imediata devido à concorrência pessoal e ou profissional com primazia. Desta forma, no que se diz respeito à criança frente a sua formação estrutural familiar, ela tem que dar conta de se organizar para ser aceito mediante ao gozo do Outro. As instituições sociais e de ensino, no que se faz perceber na atualidade, querem que as crianças não vivenciem seus tempos lógicos e sim seus tempos cronológicos respondendo a demanda desses Outros que, por vezes, se colocam como autoridade do saber ou na concorrência capitalista.

Na inserção do trabalho analítico, abre a oportunidade da criança elaborar as suas próprias questões. Pois, o que vivenciamos hoje está permeado e atravessado pela linguagem cultural e social onde o lugar dado à criança responde as demandas dos cuidadores ou instituição de forma que possa vir a ser de forma suportável e controlável. Desta forma, como escreve Flesler (2012, p.158), “na clinica ao atender uma criança, o analista precisa delimitar desde o início não somente o tempo do sujeito, mas essencialmente os destempos e contratempos que seus sofrimentos expressam”. (sintoma da cça).

 

Autora: Adriana Regina Piotto Tirola
Psicóloga Clínica – Membro da ALPL

Referencias Bibliográficas.

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FLESLER, Alba. A Psicanálise de Crianças: e o lugar dos pais. Rio de Janeiro. Zahar, 2012.

Instituto Antonio Houaiss. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª Ed. Rio de Janeiro. Objetiva, 2001.

Lacan, J. 2005 [1962-1963]). O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Lacan, J. (1998a). O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos (pp.96-103). Rio de Janeiro: Jorge Zahar (Texto original publicado em 1966).

Lacan, J. (1986). O Seminário Livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Texto original publicado em 1975).

LACAN, J. (1969). Duas notas sobre a criança. Ornicar? Revue du champ freudien, n-37, avril-jun. Opção Lacaniana Revista Brasileira de Psicanálise. São Paulo, abril, (1998).

Lacan, J. (1938) Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

ZORNIG, Silvia Abu-Jamra. Neurose Infantil, Neurose da Infância. Psyché, julho-dezembro. Ano/vol. V, numero 008 Universidade São Marcos. São Paulo, Brasil PP. 183-190. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/pdf/307/30700813.pdf Acesso dia 12 nov 2014.