Resposta Aquém? Resposta a Quem?

O jogo de presenca e ausencia do gozo nao esta apenas nas
maos da crianca, por isso nao se pode esquecer o lugar dos
pais na analise de uma criança (FLESLER, 2007, p. 200)

O percurso de um psicanalista permeado por um equilibrar-se constante, entre atos e suspensões. Frutos estas de um questionar-se acerca de seu fazer, que configura-se num saber-fazer apenas a posteriori. Ha algum tempo atendendo crianças com estruturas psíquicas graves, percebo que junto com o atendimento da criança, o acolhimento das personagens que compõem a cena com ela bastante importante. Ao longo de meu percurso verifiquei que, se por um dado, Freud e Lacan não nos deixaram uma técnica orientativa, por outro os psicanalistas de crianças nos apresentam varias versões de como lidar com essa conjuntura especifica de fatores. Assim, ao longo de um percurso, percebi que eu escolhi um determinado modo de atuação que, se nunca estar finalizado, segue uma certa regularidade. Lacan denominou isso de estilo, sendo este o modo como cada psicanalista implica-se com sua pratica, a partir de uma ética. Goldemberg (2004) coloca que Lacan não falou de uma pratica da Psicanalise, mas de uma eica dos psicanalistas, que se define pela concepção que cada um tem dos meios e fins da psicanalise. Que esta singular, delimitada pela inflexão em que direciona a transferência, a partir dos lugares que ocupa de objeto e Outro na analise que propõe. Se tal pratica consiste num autorizar-se de si mesmo importa ressaltar que não condiz com um laissez-faire. Existe o autorizar-se aos outros configurados nos dispositivos institucionais da analise pessoal, supervisão e estudo teórico, pilares da pratica analítica.

O ponto que me proponho a tratar hoje aqui dessa construção particular, a partir do modo como tenho respondido em especifico aos pais das crianças que tomei em atendimento. Uma criança quando chega ao analista o coloca sempre em questão. Questão de como lidar com esses que fazem um pedido pela criança, que falam por ela, se interpõem o tempo todo em seu tratamento, pagam por ela, reclamam do preço, que não entendem a necessidade de entrevistas intermináveis com eles, e que reaparecem de tempos em tempos para nos lembrar de nossa função.

Os pais, que ligam insistentemente para desmarcar a sessão por causa de febres inexplicáveis, que aparecem na sessão do filho querendo uns minutinhos de nossa atenção, nos perguntam o que fazer quando a criança irrompe com uma má educação, convidam-nos para as festas de aniversario, trazem-nos o álbum do primeiro ano de vida da criança, solicitam cardaarios de alimentação, revelam-nos a nudez familiar de forma explicita das horas do banho, do controle esfinceteriano, do ritual do sono. Trocamos com eles fraldas, chupetas e mamadeiras por um filho grande, ajudamo-los a suportar as perdas inerentes do eterno tornar-se desnecessário enfrentamos cenas de ciumes, rivalidades, onde o analista se pergunta quem é o filho de quem. Somos convidados a participar de forma contundente da intimidade da casa, contam-nos confidencias, do lugar dessa criança em sua cama, em sua casa, em seus desejos.

E por fim, levam a criança embora, seja porque ela melhorou, ou porque não melhorou, porque acabou o dinheiro ou porque cansaram de levar, seja porque descobriram um novo exame de imagem em 3D, uma terapia de florais, ou porque o doutor descobriu um novo medicamento capaz de otimizar os resultados, ou ainda lhes disse que quando crescer sara.

Enquanto aquele que dirige o tratamento, um analista necessita dar uma resposta. Resposta que damos ao nos posicionarmos diante de tantos pedidos e interferencias: mas que coisa, por que não nos deixam trabalhar em paz? Se foram levar o filho, por que não se contentam em ocupar seu devido lugar? Mas que lugar esse? Sera fora da cena terapêutica? Ou sera que ocupar o devido lugar não implica em que essas aparições e interferências sejam material de trabalho com a criança? Da mesma forma que esta, em sua condição de infante, não pode dispensar os progenitores, sera que, por sua condição estrutural, a analise de uma criança não implica em atender aos pais?

Em meu percurso, acredito que sim. A questão que se coloca então de que forma isso deve ser feito? Em primeiro lugar importante lembrar que uma criança chega a nos se seu sintoma se caracterizar enquanto ponto de angustia para seus pais. Ou seja, algo da subjetividade deles esta implicada desde o inicio em seu pedido de ajuda para o filho. Faria (1998) nos lembra que, estando a criança localizada enquanto objeto privilegiado de satisfação dos pais, ela um veiculo de alienação do desejo parental. Nesse quesito também importa lembrar que nem sempre o que eles recortam do filho o mesmo motivo pelo qual uma criança aceita se submeter ao um tratamento. Desde apercebemos o embaraço no qual nos encontramos: realizar por um lado uma distinção de sujeitos e demandas, e por outro trabalhar com o fato de que o sintoma da criança, por sua condição estrutural, esta implicado na dinâmica familiar. Como uma mãe que me procurou por um atraso na fala de sua
filha e qual não foi minha surpresa ao conhece-la, me deparar com uma mocinha com um expressivo atraso global no desenvolvimento, com episódios de agressividade, uma demanda de exclusão importante e ausência de um brincar constituinte. Assim, claramente se evidenciava de saída que algo ali falava, depositado na criança, mas que ia além dela. A criança necessitava sim de intervenção, mas sua mãe também precisava ser escutada.

Para lidar com esse embrolho, na tentativa de responder a essa pergunta, percorri as diversas formas que os psicanalistas de criança se posicionaram ao longo do tempo, tendo encontrado desde profissionais que excluam por completo os pais da cena terapêutica, atos que dispensavam a criança e atendiam apenas os pais. Mannonni (apud FARIA, 1998) acreditava no trabalho com os pais juntamente com o da criança. Diz que não e possível escolhermos se os pais participam ou não de um atendimento, de qualquer forma eles comparecerão. A criança está, por sua condição própria, submetida realidade do casal parental.

Assim, se a posição do analista nunca de conforto, um analista de crianças esta em terreno um pouco mais inóspito, porque sua intervenção sempre em um ponto de tensão. Se, numa analise, os que chegam são sempre muitos, uma vez que o sujeito sempre o Outro, no caso das crianças esses Outros comparecem encarnados, em suas funções presentes, não estão patentes, ressignificados pela fantasia daquele que conta pela vida palavra, como se deram suas relações primordiais. Elas esta acontecendo, em tempo real, diante do analista. Se Freud comparou o inicio da analise a um jogo de xadrez, há que se ter cuidado redobrado, quando se intervem em um jogo que ainda esta operando.

Vamos retomar, juntamente com h. Von Hugh Helmuth (apud BERG?S E BALBO, 1997) em primeira instancia, o fato de que quem nos procura são os pais. Em primeiro lugar, estes costumam chegar apos ter passado por inúmeras tentativas fracassadas. Apresentam-se culpados por terem fracassado e frustrados por ter que colocar em outrem o saber acerca de sua cria, e os créditos pela melhora dela, caso isso aconteça. Vão com um pedido de restituição de uma ferida narcísica. Lugar espinhoso no qual somos procurados. Assim, uma das funções de escuta dos pais, em especial no inicio do tratamento da criança, segundo os autores, a de evitar efeitos demasiadamente danosos, que podem ocasionar num abandono do tratamento.

Faria (1998) diz que as atuações dos pais devem ser escutadas no n 咩 el discursivo, que permitir fundar uma transferência e iniciar um trabalho analítico. A autora nos lembra de que a criança e seus pais estão ligados numa colagem significante. Isso produz neles um sofrimento que, por ser depositado na criança, torna difícil o reconhecimento enquanto sofrimento próprio. Necessitam então ser escutados. Isso não significa fazer uma analise dos pais, mas garantir que o contrato da analise de seu filho seja mantido, pois muitos tratamentos são interrompidos pela angustia parental. Em especial quando a criança começa a mudar de posição subjetiva, por exemplo quando um autista começa a fazer relação ao outro de maneira a solicitar seus pais de forma diferente. Podem tornar-se imperativos, e os pais vão se queixar de que piorou, agora esbraveja, não dorme, solicita-lhes algo que eles não sabem o que O que costumava acalmar-lhe não funciona mais. E vão aos poucos se dando conta de que solicitam sua presença, e que de presente, ganharam um filho. E então uma nova etapa. Terá que se confrontar, talvez com o seu não desejo de filho. E a Mais espaço de escuta. Faria (1998) nos lembra de que o trabalho analítico com a criança tem efeitos sobre os pais, uma vez que a alteração de um dos elementos de uma estrutura altera a estrutura como um todo.

Flesler (2007) por outro lado, diz que uma analise aponta sempre para um sujeito, que não e criança ou adulto, ele não tem idade. Mas que não indiferente o momento logico de sua constituição quando chega a nos. No tempo da infância, a evolução do sujeito nesses tempos lógicos implica em que ele seja nominado e antecipado em cada um deles, por seus Outros.

Depende em primeira instancia em que lugar ele esta situado com relação ao desejo parental. Segundo Lacan, o desejo dos pais e uma lei não natural, não regulada pelo instinto, e sim pela castração, condição de economia desejante (FLESLER, 2007, p. 41).

Por causa disso, Mannonni (apud FARIA, 1998) inclui a fala dos pais enquanto elemento primordial na analise das crianças, buscando a resposta sintomática enquanto um enigma do entrelace de ambos os discursos: da criança e dos pais. O analista necessita interrogar qual o lugar da palavra da mãe na fantasmática da criança e qual o lugar do pai na palavra da mãe. Segundo ela, o sintoma da criança esta atrelado ao que transmitido a ela e de que forma isso feito. Escutar aos pais possibilita compreender que lugar a criança ocupa na fantasmática parental. Isso necessário tanto para o diagnostico da criança quanto para o tratamento, na medida em que necessário que esse lugar se desloque. Porem, a autora coloca que exigir que os pais se submetam a uma analise pessoal inútil, pois estando o sintoma alienado na criança, apenas a partir desse lugar que, num primeiro momento, eles conseguem se colocar.

Assim, considerando as especificidades de uma analise de crianças, o modo como ela se estrutura inclui, desde o inicio, seus pais. De acordo com Faria (1998), uma criança se constitui enquanto sujeito na medida em que os pais assumem determinadas funções, ou seja, funcionaram de determinada forma. Ela lembra que Lacan coloca no Seminário sobre as Psicoses (1988) que nessas algo não funcionou, não completando o Edipo. No caso então de crianças pequenas ou com transtornos graves, que estão nesse ponto especifico dos tempos lógicos da constituição de um sujeito, em que algo ainda não se completou, considero, a partir desta viés, que o trabalho do analista o de tensionar para que de um possam emergir dois sujeitos, porem, pode ser necessário um tempo de trabalho para que isso seja possível.

Para entender melhor do que se trata a inclusão de um filho na dinâmica da satisfação parental, recorremos a Flesler (2007). Segundo a autora, o desejo dos pais diz respeito ao desejo pelo filho, mas também o desejo entre eles, enquanto casal. No caso do pai, a partir de Lacan, ela diz que este merece respeito e amor quando faz de uma mulher o objeto-causa de seu desejo. Quando ele se mostra desejante, coloca em cena sua condição de castração. Ao nomear a criança como seu filho, situa-lhe um desejo não anonimo e introduz a ele a interdição do incesto. Já no caso da mãe, necessário verificar que lugar ocupam o pai e a criança no desejo dela. Uma criança, para ser antecipada, necessita ser colocada no lugar de uma restituição narcísica para uma mulher, o que implica em ocupar um lugar de falo.

Ainda de acordo com Flesler (2007), uma criança pode ser localizada pela mãe enquanto objeto de desejo, de amor ou de gozo. Cada um encontra limite nos outros dois. Essa questão encontra inúmeras combinações.

E o amor que impede que quando uma mãe tem vontade de devorar seu bebe, colocado no lugar de objeto de gozo, não faca. Quando o amor não faz barra ao gozo, encontro mães invasivas, que continuam limpando crianças ate sua pre adolescência, tomando banho juntos, levando-as para cama, que falam e escolhem por elas, de modo que não há espaço para duas subjetividades. Flesler (2007) coloca que a intervenção do analista nesses casos necessita de uma postura mais ativa, barrando a mãe, dizendo diretamente da necessidade de parar com essas invasões no corpo e na subjetividade da criança. A expressão mais comum dos casos em que a criança e fixada no lugar apenas de gozo, não encontrando lugar no narcisismo parental, quando servem de extensão de seus corpos, quando escuto relatos de medicarem a criança para sanar uma dor sua. Quando a existência da criança um incomodo, o motivo das desgraças da vida daquela mãe, e impressionante verificar como elas encontram justificativas para maltratar ou descuidar da criança, em nome desse imperativo inconsciente de que ela deva ser eliminada.

E muito comum nos casos em que a criança ocupa o lugar de objeto da fantasia materna que o pai esteja deslocado da posição de detentor do falo. S 縊 m 綟 s que por diversos motivos tomam o filho para si, por exemplo, realizando parcerias amorosas apenas para ter filhos. Ou dispensam os homens apos estar com o objeto de satisfação em seus ventres, tem nojo ate do cheiro de seu parceiro. Em outros casos, quando o filho está fora do circuito do desejo materno, encontro na escuta o ponto de satisfação dessa mulher em outro lugar (no trabalho, por exemplo). Ou mães feridas narcisticamente pelo fato de seus maridos passarem a incluir esse filho enquanto objeto fálico, entrando numa competição com a criança pelo amor do pai.

Os casos citados acima se enquadram no que Lacan (1969) denomina de o sintoma da criança estar situado na fantasmática materna. O desejo contra o qual uma criança se defende fazendo um sintoma o dos pais. Assim, um analista, ao escutar os pais, deve investigar como o desejo entre eles se enlaça. Tal posicionamento essencial, uma vez que isso que do tom para por onde uma criança pode circular. Segundo Flesler (2007, p. 69),

o desejo dos pais, como homem e mulher, condiciona e possibilita a recriação dos tempos do sujeito.
Quando o desejo dos pais, ao contrario, se concentra exclusivamente no filho, a criança tendera funcionar
como condensador do gozo, objeto da fantasia.

Para entender do que isso se trata, passemos ao segundo ponto a ser escutado no discurso parental, juntamente com o que observamos da criança quando ela vem: o lugar que ela se posiciona nesse desejo, ou seja, em que momento aquela criança esta dentro dos tempos lógicos da constitui 鈬 o subjetiva (FLESLER, 2007).

O primeiro tempo diz respeito a alienação ao desejo da mãe, ser ou não o falo. As falhas decorrentes desse tempo são muito precoces e atingem importantes consequências. Ocorrem manifesta 鋏 es corpo (transtornos de sono, alimentares, adoecimentos de repetição) e do imaginário (o brincar, a constituição do eu e apropriação do corpo, por exemplo) e por fim os autismos infantis. As psicoses infantis também podem entrar nesse lugar, onde existe um lugar para a criança no desejo materno, porem esta não e elevada ao estatuto falico, onde seria-lhe possivel fazer semblante do objeto que completaria, ela o objeto de desejo.

Flesler (2007) nos lembra de que quando uma criança ocupa um lugar de objeto na fantasia materna, mesmo que supere certas etapas, mais tarde poderá apresentar novos sintomas, inibições ou angustias, a cada vez que o desejo materno n 縊 aponte para uma direção que a sustente em seu novo lugar. Neste mesmo sentido, Jerusalinsky ( ), citando Lacan, nos aponta que os desdobramentos do sujeito se da também em função das mudanças de posição frente as demandas do Outro, este enquanto representante do discurso social. Tais demandas se modificam a partir do que esperam daquela criança, em cada etapa de sua vida. E a partir disso, o sujeito responde. Embora opere sincronicamente, esta tem uma diacronia, nas operações que se sucedem nos tempos de captura do sujeito.

Nos casos citados acima n 縊 se constituiu um sujeito de desejo na criança. Segundo Flesler (2007), isso ocorreria apenas frente possibilidade de a criança alternar nos lugares de objeto causa de desejo e objeto de gozo de seus pais. Essa alternância seria possível se o desejo dos pais funcionasse entre eles, para alem da criança. Ou seja, necessário um trabalho com os pais, para que possibilitem a existência da criança nessa outra posição, se um dos dois lados não fizer essa nova escolha, ela ficar presa nesse lugar.

No caminho percorrido ate aqui, evidencia-se o quanto não e possível, ao se trabalhar com a criança, excluir seus pais. O tempo de constituição subjetiva de uma criança não e dado por si, o sujeito e um efeito, e a efetuação do sujeito se realiza quando existe resposta do Outro (FLESLER, 2007, p. 184). Em especial nos casos em que isso não se efetivou ainda – crianças pequenas ou nos casos dos transtornos graves – onde nosso objetivo a estruturação de um sujeito que ainda não se deu.

Por outro lado, para pensar nesse trabalho com os pais necessário atentar-se como esses pais chegam ao analista, que tipo de pedido fazem a ele. A direção de trabalho sera diferente dependendo de como isso se estabelece.

Existem pais que chegam de uma certa forma mais prontos para o trabalho, quando o sintoma do filho lhes traz uma questão. Este jovem como estatuto de signo a ser decifrado, ficando mais fácil desdobrar para algo de duas verdades enlaçadas ali no que aparece na criança. Segundo Flesler (2007) o tipo de transferência que opera nesses casos a simbólica, o suposto saber esta instalado e eles encontram-se mais disponíveis as intervenções do analista. E o caso de uma mãe, que chega com uma culpa estabelecida, acreditando estar em si a causa do sintoma da filha. Essa mãe vem com a pergunta: o que minha filha tem? E colocou-se em trabalho, assumindo para ai o encargo de trazer a criança e vir falar em um horário só para ela, onde pode desdobrar vaias questões relacionadas maternidade, o lugar dessa criança e seu próprio registro da feminilidade.

Porem, nem, todos os pais chegam tao prontos. Existem aqueles que trazem não uma pergunta, mas exigem uma resposta. Trazem uma demanda de que lhes restituamos o filho esperado. De acordo com Flesler (2007), nesses casos, a transferência assume seu aspecto imaginário, e eles neo vem em busca de um saber. A intervenção nesses casos encontra um interlocutor não muito interessado em questionar-se, aprofundar-se em si mesmo para ser possível desdobrar um trabalho verdadeiro de escuta e movimentação subjetiva. Como a mãe de um  menininho com encaminhamento de estrutura psicótica, que vinha me pedindo orientações sobre cada evento que se passava com seu filho, e como ela deveria se posicionar. Ficava claro que era dessa forma que estabelecia as relações com todos os profissionais pelos quais já haviam passado e,  por outro lado, recolhidas diversas opiniões, seguia fazendo exatamente da mesma forma. Nesses tipos de caso, Flesler (2007) propõe que o analista deva fazer frente a esse ideal imaginarizado de que possuiria a resposta para restituir-lhes o filho almejado, introduzindo a castração em si mesmo, no saber desmesurado que projetado sobre ele.

Por fim, um outro tipo de pedido apontado por Flesler (2007), mais difícil ainda de contemplar uma intervenção efetiva, são aqueles casos que os pais vão encaminhados. Não possuem uma questão, sequer um pedido, estão la obrigados por um terceiro. Na verdade, seu pedido o de que avaliemos a situação e lhes desobriguemos da necessidade de levarem o filho ao tratamento. Esse tipo de caso chega encaminhado do Conselho Tutelar, da Justiça, ou da escola, os quais escutam um sofrimento que os pais não são capazes de enxergar em seu filho. Eles podem leva-lo por um tempo, porem, como não um pedido genuíno, frente a qualquer dificuldade, suspendem o tratamento, tranquilizados com o fato de que tentaram, mas não serviu para nada. Ou seja, entraram e saíram de cena sem questionarem-se o que tinham a ver com o motivo de estarem ali. De acordo com a autora, esse tipo de caso traz consigo o real da transferência. Nesses casos, a  intervenção do analista segue no mesmo registro: apela aos órgãos de garantias de direitos da criança, apelo no real, unica instancia capaz de barrar o aniquilamento do sujeito operado por essas famílias. Muitas vezes o tratamento interrompe-se a pois o analista entra na mira de fogo dos pais. A intervenção opera enquanto um 佖 ico ato, de corte, interrompendo o gozo mortífero sobre a criança.

Interessante observar que muitas vezes nessa clinica o que opera em grande parte do tempo não é a palavra, mas atos. Orientados, da mesma forma, por uma escuta. A partir do recolhimento destas questões, possível pensarmos na posição do analista diante dessa constelação de fatores, tao diversos. Freud já falava acerca da inclusão dos pais no tratamento das crianças, a partir da consideração de que são eles os portadores da demanda inicial e da resistência no trabalho:

Quando os pais se erigem em portadores da resistência, com frequência a meta da analise, ou ela própria
correm perigo e, por isso, costuma ser necessário juntar analise da criança algum influxo analítico sobre
seus progenitores (1932/2006).

Quando algo emerge enquanto resistência ao trabalho de analise com a criança os pais devem ser escutados. Pode ser que isso ocorra por possuírem algum questão de sua própria infância, mal elaborada, que depositada sobre o filho. Flesler (2007) coloca que a intervenção do analista deve ser pontual, e ocorrer em momentos em que, na analise da criança, forem encontradas falhas na estrutura da constelação familiar. A partir do que a autora nos traz, penso que o trabalho com os pais na analise de crianças deva ser o de proporcionar eles um espaço de elaboração para realizarem essa desidentificação. São questões bem especificas, que penso ter a ver com a construção da maternidade e da paternidade e o lugar que a criança ocupa na economia psíquica desses pais, bem como a redistribuição da libido entre os personagens dessa composição, o que em difere de uma analise pessoal. Assim que isso estiver elaborado encerra-se, podendo dai surgir uma demanda de analise pessoal, devendo só então serem encaminhados, se assim o desejarem. Dessa escuta o analista colhe material para entender alguns entraves com os quais se depara no trabalho com a criança, e pode seguir com o trabalho com ela.

Um outro ponto importante a ser trabalhado, segundo Flesler (2007) a partir da posição de suposto saber ocupada pelo analista, ao não encarnar esse lugar, devolve o saber ao lugar que ele deveria estar ocupando. Restabelece assim aos pais o lugar de Outros da criança, que nesses casos, muitas vezes oscila. Essa uma postura importante no trabalho com os pais, que mesmo que venham demandando resposta, operam com seu saber inconsciente sobre seus filhos. O que tenho feito reenlaçar a atuação a palavra, para que possam se dar conta do que fazem com o filho, trazendo tona o lugar que este ocupa para eles e, ao historicizar, entender de que forma foi constituído. Somente isso possibilita por uma questão no que estava instituído e liberar a criança de ocupar esse lugar.

Uma outra coisa que essa postura possibilita, segundo Flesler (2007), a de autorizar os pais em suas funções, em especial a paterna, no que diz respeito a barrar a satisfação infantil. De minha parte, concordo com a autora, tem sido recorrente em minha clinica escutar cenas de um imperativo infantil de dominação e intolerância a frustração, em cenas desmedidas de a crianças controlando a tv da casa, a rotina, o local onde os adultos dormem, o que comem, os lugares que frequentam. Pais amedrontados diante de crianças de 5 anos de idade. Ao escuta-los, verifico que não e da criança diante de si que tem medo, mas da criança dentro de si. Relatam vivencias de extrema de violência na própria infância e um ódio desmesurado que emerge, e que, se começarem a bater irão espancar ou matar seus filhos. O medo é disso.

A analise da transferência, a partir da ética psicanalítica, nos fornece ferramentas para nos despojarmos do imperativo que nos imposto e escutar para alem do pedido trazido, de restituição do objeto fálico dos pais. Por trás de um pedido restitutio, existe um sujeito em sofrimento. Berges e Balbo (2010) nos advertem da importância de escuta-lo e, que essa escuta, no caso dos pais, transitiva. Por ser dessa ordem, resvala na analise da criança, na medida em que esta, menos alienada pela angustia parental, libera-se para seguir seu curso associativo na analise.

Escutar os pais numa analise de crianças implica em acolher, segundo Faria (1998), um pedido de ajuda que não foi possível fazer em nome próprio, sendo atuado sobre o filho. Mas, se falam disso porque estão implicados, sem ainda terem se dado conta disso. O trabalho de escuta o de faze-los darem-se conta dessa implicação, passando da queixa, alienada na criança, ao desejo próprio. Para essa passagem e necessária uma escuta analítica. A escuta de pais vai na direção da subjetivação de uma questão própria que foi trazida colada na criança. Nesse momento e possível o encaminhamento para uma analise pessoal e a implicação dos pais em uma demanda em nome próprio.

Ao ter suas questões redirecionadas, os pais desobrigam a criança de ter que ocupar esse lugar. Possibilita a ela se desvincilhar do que estava depositado nela, permitindo-lhe prosseguir em sua analise sem a invasão constante das insistentes demandas parentais.

Recolhidos diversos depoimentos e interlocuções teóricas, pudemos delimitar ao longo deste trabalho de que forma eu, enquanto psicanalista, tenho incluído os pais em meus atendimentos com crianças. O caminho percorrido durante este ano de estudos teóricos, apresentações de casos, de falar de minha pratica, e escutar em troca o efeito que isso causou no outro, e onde isso se enquadra no que Freud e Lacan propuseram, permitiu uma melhor delimitação de um percurso pratico. Munidos de teorias para fundamentar nossa pratica, colhendo experiencias de psicanalistas de longa data, amparados pela supervisão e por nossa analise pessoal, a questão que se coloca afinal, no que diz respeito ao analista de crianças a quem respondemos? Condição que nos coloca frente criança que fomos um dia e divida simbólica que herdamos da condição de nos tornarmos humanos. Se a função do analista numa analise de crianças passa pelo viés de por em funcionamento funções primordiais, importa que ele de ouvidos a de que maneira esta se posicionando diante dessas demandas. Para que possa desvincilhar-se de suas respostas neuróticas e que possa atuar ali apenas a ética psicanalítica, ética desta psicanalista.

Autora: Mônica Fujimura Leite

 

Referência Bibliográfica

BERGES, J. BALBO, G. Enquadramento do Tratamento: demanda, transferência e contrato com os pais por seu filho. p. 35-56. In: BERGES, J. BALBO, G. A Criança e a Psicanálise. Porto Alegre: Artes Míticas, 1997.

BERG?S, J. BALBO, G. Psicoterapias de Crianças, crianças em Psicanálise. Porto alegre: CMC, 2010.

CHECCHINATO, D. (tradutor). LACAN, J. Duas notas sobre a Criança (1969). Ornicar?, Revue du Champ freudien, n? 37, avril-juin 1986, p. 13 e 14. Disponível em: http://www.acpsicanalise.org.br/docs/duas-notas-sobre-crianca.pdf .

FARIA, M.R. Introdução Análise de Crianças o lugar dos pais. S 縊 Paulo: Hackers Editores: Cespuc: FAPESP, 1998.

FLESLER, A. A Psicanálise de Crianças e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

FREUD, S. Conferência 34. In: FREUD, S. Edi 鈬 o Standard nas Obras Psicol icas Completas de Sigmundo Freud. vl. XXII. Novas Conferências Introdutivas sobre a Psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006.

GOLDENBERG, R. A Ética é o Estilo. In: BERNARDINO, L.M.F. ()rg.). Psicanalisar crianças: que desejo é esse? Salvador: Àgalma, 2004. p. 13-24.

JERUSALINSKY, A. Considerações Preliminares: a todo tratamento possível de uma criança. Revista Associa 鈬 o Psicanalítica de Curitiba. n. 2.

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