Os Pronomes na Posição Estrutural da Criança

Sujeito e Estrutura, quem é este pequeno sujeito do discurso do Outro? E que posição estrutural por vezes subversiva, se autoriza e é autorizado a transitar e, desta forma, apresentar diferentes sinthomas em busca de sobrevivência em seu contexto familiar e social? Pretendo, por intermédio deste escrito, fazer algumas considerações de possíveis colocações linguageira às demandas de crianças na formação estrutural a qual esta submetida.

Lacan (1967) escreve a respeito do infans como àquele que vem ocupar um lugar marcado pelo desejo materno, se alienando na imagem de um Outro. Isso instaura uma relação dual, especular, imaginária, onde a criança sofre de uma dependência quase que total na demanda pelo amor da mãe, capturada por este olhar com o qual ela se identifica e se aliena. Freud (1897) posiciona o papel fundamental do narcisismo parental como retorno e reprodução de seu próprio narcisismo, porém, a mãe no seu desejo narcísico da dimensão a sua fantasmática e, podendo fazer operação alienatória com o bebê, onde o mesmo não possa sair da sua dependência e, neste caso, o eu fica fragmentado e ligado a uma extensão parental necessitando de um Outro para responder por ela.

Também coloca o pai com a função primordial como operador do interdito. Naturalmente não se trata do pai enquanto presença ou ausência concreta, mas enquanto dimensão simbólica que exerce uma dupla castração, ambas a mãe e criança, um interdito que introduz a Lei e, desta forma, possibilita à criança entrar na ordem da linguagem. São operações necessárias, alienação e separação, para que a criança saia da posição de ser objeto de desejo da mãe, para que possa se constituir como um sujeito desejante.

Portanto o desenvolvimento do ser humano sua posição estrutural psíquica está relacionada com os tempos do Real, Simbólico e Imaginário conceituado por Lacan (1971) e, mediante aos seus tempos lógicos o possibilita a saída da posição de ser o objeto a vir a ser sujeito de desejo. A respeito destes tempos a psicanalista Alba Flesler (2012) se utiliza da leitura de Freud e Lacan, e apresenta os tempos do sujeito no qual me detenho a descrever os três primeiros, pois, se refere à pequena criança. Desta forma o primeiro tempo descrito é o da criança de ser ou não o falo da mãe onde um Outro propõe e o bebê responde, se realiza uma alienação garantindo de certa forma às condições de sobrevivência do bebê. Em um segundo tempo é pulsante, pois a criança vê a castração do Outro primordial onde antes se dizia sim a criança, deverá responder não, para que se possa permitir que a separação se opere e, é neste tempo de alienação e separação em que o sujeito se efetua como resposta. No terceiro tempo o desejo dos pais dá ao pequeno sujeito um lugar, não mais de ser o falo, mas um lugar que legitima ter o falo e após este dá início a um tempo para compreender.

Na atualidade estamos vivenciando diversas adversidades que permeam determinados contextos familiares e sociais e, desta forma, a criança, permeia e fica marcada em uma posição de dependência estrutural frente a estas, uma vez que há um entrelaçamento do seu sinthoma a demanda, ela encontra uma forma de sobrevivência e busca ser aceita pelos pais e pela sociedade em que vive. Lacan (1969) faz apontamento onde, o “(…) o sintoma da criança é capaz de responder ao que há de sintomático na estrutura familiar.” Lacan faz uso da homofonia descrevendo como sinthoma com “h” da ordem da enfermidade psíquica, como o “Sintoma da estrutura ou da formação inconsciente da estrutura, com que o sujeito responde a demanda do outro”. A partir dos efeitos entre o imaginário, simbólico e real, Maud Mannoni (1987) relacionou o sintoma da criança em relação ao discurso, pois na relação da criança com o Outro simbólico (lugar da palavra), ou com o outro imaginário, não se trata de diálogo e sim de discurso.

O sintoma é criado, construído, é uma produção originária do próprio sujeito. Dos diferentes sintomas que a criança apresenta, serve para fazer um corte ou ir em direção à demanda do Outro. Portanto, para Zornig (2001 p.186 e 187) a neurose infantil pode indicar o “processo de construção da realidade psíquica do sujeito, em que os sintomas constituem uma tentativa de interpretação e de subjetivação podendo ser reeditada na neurose infantil é repetida” complementa “como um remanejamento fantasmático do sujeito sobre sua própria infância, permitindo-lhe reescrever sua história”. Os sintomas neuróticos na infância, para autora, de uma forma estão ligados aos sintomas parentais e na inserção do trabalho analítico, possibilita a criança na elaboração das suas próprias questões, construindo sua neurose infantil.

Nos escritos Os complexos Familiares, Lacan (1938/1987, p. 13) aponta que “entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura”. Portanto, faço aqui inferência a respeito do social de forma exacerbada na atualidade, no que se diz respeito ao meio em que vivemos, há um atravessamento nas demandas externas concomitante com as dos pais direcionadas a infância. E mediante ao lugar dado a pequena criança de acordo de como seu buraco constitutivo foi enodado pelo RSI, vai apresentar sinthomas e Outro social os confirma medicando para justificá-los nas suas inquietações e deficiências entre outros percebidos por ele e cuidadores.

Retomando a temática deste escrito, para elucidar sucintamente o uso da palavra pronome, a qual permite fazer apontamento de como o Outro faz nomeação e significa o outro. Lacan se apropriou de alguns conceitos linguísticos para desenvolver e evidenciar de que o inconsciente é estruturado como linguagem. Portanto a função da linguagem enquanto para a linguística é a comunicação, para a psicanálise é a evocação. A fala como ato de discurso, e não como ato de fonação, implica sempre dirigir uma mensagem para alguém, demandando uma resposta. Neste sentido, é através da fala que se realiza a função da linguagem.

A partir das operações constitutivas apresentadas anteriormente neste escrito, quando algumas não estão presentes ou não realizados, por exemplo, da alienação primordial ao não realizar a separação, possibilita a pequena criança a permear uma constituição estrutural psíquica psicótica, onde o mesmo possa apresentar uma linguagem de referencia a si mesmo na terceira pessoa não se identificando como sujeito singular ou seja não tendo um discurso próprio. Por outro lado existem as demandas familiares e sociais que faz com que sujeito apresente um eu que se faz necessário para sobreviver diante das adversidades vivenciadas. Um eu que se constituí subjetivamente permeando uma estrutura esburacada pela linguagem.

Esta estrutura faz com que este eu possa se fazer perceber e ser percebido. E, a respeito destas percepções, Lacan nos seus escritos do estádio do espelho, faz referencia à imagem como papel fundadora na constituição do eu e na matriz simbólica do sujeito, definindo a identificação, nessa perspectiva, como “a transformação produzida no sujeito quando assume uma imagem”, portanto, uma imagem de um sujeito de borda que, quando marcado pela falta, desfragmentado se veste e é vestido para responder seu próprio gozo e, por vezes, o gozo do Outro.

Lacan apresenta a imagem corporal como capaz de um efeito formador. Por meio de uma identificação primordial do sujeito com a imagem, no qual constitui uma subjetividade, fase esta que está relacionada ao estádio do espelho. Um momento lógico na estruturação do sujeito, ou seja, ele “não é simplesmente um momento do desenvolvimento”, mais, um estatuto fenomenológico e estrutural.

Para finalizar não posso deixar de citar, os quanto determinados sujeitos estão vivendo com intensidade e compromisso a sua formação profissional no intuito de responder o mercado de trabalho e o social de forma imediata devido à concorrência pessoal e ou profissional com primazia. Desta forma, no que se diz respeito à criança frente a sua formação estrutural familiar, ela tem que dar conta de se organizar para ser aceito mediante ao gozo do Outro. As instituições sociais e de ensino, no que se faz perceber na atualidade, querem que as crianças não vivenciem seus tempos lógicos e sim seus tempos cronológicos respondendo a demanda desses Outros que, por vezes, se colocam como autoridade do saber ou na concorrência capitalista.

Na inserção do trabalho analítico, abre a oportunidade da criança elaborar as suas próprias questões. Pois, o que vivenciamos hoje está permeado e atravessado pela linguagem cultural e social onde o lugar dado à criança responde as demandas dos cuidadores ou instituição de forma que possa vir a ser de forma suportável e controlável. Desta forma, como escreve Flesler (2012, p.158), “na clinica ao atender uma criança, o analista precisa delimitar desde o início não somente o tempo do sujeito, mas essencialmente os destempos e contratempos que seus sofrimentos expressam”. (sintoma da cça).

 

Autora: Adriana Regina Piotto Tirola
Psicóloga Clínica – Membro da ALPL

Referencias Bibliográficas.

BERNARDINO, Leda Mariza Fischer; KUPFER, Maria Cristina Machado. A criança como mestre do gozo da família atual: desdobramentos da “pesquisa de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil”. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza , v. 8, n. 3, set. 2008 . Disponível em . acessos em 20 out. 2014.

FLESLER, Alba. A Psicanálise de Crianças: e o lugar dos pais. Rio de Janeiro. Zahar, 2012.

Instituto Antonio Houaiss. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª Ed. Rio de Janeiro. Objetiva, 2001.

Lacan, J. 2005 [1962-1963]). O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Lacan, J. (1998a). O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos (pp.96-103). Rio de Janeiro: Jorge Zahar (Texto original publicado em 1966).

Lacan, J. (1986). O Seminário Livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Texto original publicado em 1975).

LACAN, J. (1969). Duas notas sobre a criança. Ornicar? Revue du champ freudien, n-37, avril-jun. Opção Lacaniana Revista Brasileira de Psicanálise. São Paulo, abril, (1998).

Lacan, J. (1938) Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

ZORNIG, Silvia Abu-Jamra. Neurose Infantil, Neurose da Infância. Psyché, julho-dezembro. Ano/vol. V, numero 008 Universidade São Marcos. São Paulo, Brasil PP. 183-190. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/pdf/307/30700813.pdf Acesso dia 12 nov 2014.

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