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Considerações Sobre a Relação Entre a Angústia e o Desejo do Analista

Primeiramente gostaria delimitar a superfície por onde transitarei durante os 15 minutos que tenho disponível para apresentar minhas ideias. Estas ideias são, sobretudo, um testemunho do meu percurso na psicanálise, que está em formação, uma vez que é disso que se tratou em nossa Associação em 2013 e disso que se trata em nossa Jornada; refletir sobre a função e a formação do analista. Assim, tanto a Angústia como o Desejo do Analista são conceitos fundamentais para se pensar a formação e a função do analista.

É importante ressaltar que meu trabalho de hoje está sustentado pela noção de cura do primeiro movimento do Lacan. Sendo assim, está assentado sobre o conceito de Travessia do Fantasma, que, resumidamente, nada mais é do que fazer com que o analisante produza uma modificação no seu campo pulsional e fantasmático em análise e possa, com isso, ter minimamente uma liberdade com relação ao desejo do Outro. Este desejo do Outro na mesma medida em que é essencial para a constituição do psiquismo e do desejo é também condição de aprisionamento do sujeito ao pathos da experiência humana.Para desenvolver esse trabalho, parto então de dois seminários de Lacan: o Seminário 10 e o Seminário 11.

Feito essas considerações iniciais, começo citando uma ideia de Lacan contida no Seminário 11, que nos traz muitos elementos a serem trabalhados acerca do desejo do analista:

[…] se a transferência é o que, da pulsão, desvia a demanda, o desejo do
analista é aquilo que traz [a demanda] ali de volta [para a pulsão]. E por
essa via [de colocar a demanda em cena] ele [o analista] isola o a, o põe a
maior distância possível do I [identificação] que ele, o analista, é chamado
pelo sujeito a encarnar. É dessa idealização que o analista tem que tombar
para ser o suporte do a separador, na medida em que seu desejo [o do
analista]lhe permite, numa hipnose às avessas, encarnar, ele, o hipnotizado
(p. 258, Seminário 11).

Nesta pequena frase lida de Lacan, podemos isolar 2 partes:

       1. A transferência é o que da pulsão desvia a demanda e o desejo do analista é o que traz de volta a demanda para a pulsão.

Podemos entender neste pequeno trecho que esse momento em que se estabelece o amor transferencial num tratamento, o analistante se coloca numa posição de amado e o analista na posição de amante. Doce engano, mas elementar para a direção da cura. Sendo assim, deixemos nossos pacientes manifestarem esse dom do amor e pensarem que, em troca, os amamos. Esse amor transferencial é uma forma de o analistante evitar de se deparar com a falta do Outro, encarnado pela figura do analista, o que se traduz, de certo modo, em uma certa paralisação e inércia, pois a demanda está satisfeita Ex: o meu analista quer que eu fale disso, então falarei disso em troca de seu amor. Há, nesse exemplo uma suposta completude entre analisante e analista. Existe também nesse amor transferencial uma relação especular e mimética, em que o analista é colocado na posição de detentor do saber que dará os devidos direcionamentos para soluções do pathos do analisante.

Contudo, quando o analista exerce sua função e acede ao seu desejo, que é o desejo do analista, ele restitui a dimensão da demanda no tratamento, mas uma demanda de caráter enigmático que produz um efeito no analisante, o de não completude. Isto instala a seguinte questão no analisante: “Que queres de mim?” “Que queres que eu faça ou  fale?”. Isto produzirá movimento no tratamento, pois a tendência do analisante é tentar completar essa falta no Outro.   

      2. É dessa idealização que o analista tem que tombar / para ser o suporte do a separador, na medida em que seu desejo [o do analista] lhe permite, numa hipnose às avessas, encarnar, ele, o hipnotizado.

Ficou claro no início da frase que o analista não pode aceitar o lugar em que o analisante o reserva e deve, então, tombar dessa idealização. Quando o analista
consegue essa viragem no tratamento, se produz uma situação tragicômica, que é descrita por Lacan da seguinte forma: “Eu me dou a ti, mas esse dom de minha pessoa se transforma inexplicavelmente em presente de uma merda”.

Mas o restante da frase soa um tanto enigmática e é nela que vou articular o conceito de angústia. A frase seguinte diz que o analista deve ser o suporte do a separador e ser o hipnotizado ao invés do hipnotizador.

Vejam que aqui se coloca a questão da função do analista. E é neste momento em que aponto a relação da função do analista com a angústia. No momento preciso em que o analista deve suportar, com toda ambiguidade que esse significante carrega, fazer semblante objeto causa do desejo na direção da cura. Dessa maneira, o analista deve ser o suporte desse objeto sendo, nas palavras de Lacan, o hipnotizado ao invés do hipnotizador. Mas para isso deve suportar abrir mão de sua posição de sujeito, o que o colocaria, ou o aproximaria, da posição de objeto, que como vimos no Seminário 10, é a forma que se deflagra a angústia. Lacan, no início do Seminário 10, afirma que é comum analistas em formação sentirem certa dose de angústia na condução de seus tratamentos e questiona se a angústia que sentimos como analistas é a mesma que a de nossos analisantes. Ao que tudo indica, até onde pudemos estudar sobre o conceito de  angústia no seminário 10, estou crente de que seja a mesma angústia, pois este é um afeto que não engana e está desprovido de adjetivos auxiliares, como por exemplo: angústia de morte, que é um conceito da outra psicanálise. Angústia para Lacan tem uma relação as avessas com a angústia de Freud, ao passo que para Lacan a angústia surge da vacilação da castração e não da castração, como Freud pensou em Inibição Sintoma e Angústia. Neste sentido Lacan aponta uma relação da angústia com o desejo do Outro, ou melhor, com a identificação maciça do sujeito em ser o objeto de gozo do Outro. Esta condição produziria o aniquilamento total do sujeito. Nesta via, em tempo de concluir, mesmo que seja uma conclusão apenas provisória, acredito que a angústia pode ser um dos maiores obstáculos que se impõe no caminho do analista para aceder ao seu desejo – o desejo do analista, uma vez que para isto é necessário aceitar abrir mão de seu gozo e fazer semblante do objeto, ou, como disse Lacan, como suporte do objeto para seu analisante.

Para poder ser o suporte do a e, sobretudo, suportar essa condição, é fundamental o trabalho da análise pessoal, uma vez que só através dela é que se pode encontrar recursos para modular a angústia, não eliminá-la, uma vez que com um fim de análise pode se produzir certa margem de liberdade com relação ao desejo do Outro e além disso, modificar a relação entre o sujeito e o Outro ao reorganizar seu campo pulsional e fantasmático.

 

Autor: Edinei Hideki Suzuki

Vivencia de Satisfação Que a Criança Apresenta e a Função do Analista

Freud entre os anos de 1886/1889 escreve sobre o Projeto para uma psicologia científica e fala sobre a experiência de satisfação na constituição psíquica do ser humano, antes mesmo da experiência de análise que teve com o pequeno Hans em 1909. Freud falou da condição que o possibilitou inicialmente a análise com a criança. Quando ele analisou o pequeno Hans, só foi possível devido o pai do analisante, ter feito o papel de intermediador, ele teria sido como o fio condutor.

Este fio condutor foi a extensão que permitiu a compreensão do analista a respeito do sintoma apresentado pelo pequeno Hans, a fobia. Portanto, o funcionamento psíquico relaciona-se a experiência de satisfação em ação, segundo Freud (1886/1889), a presença atuante de uma catexia no sistema neuronal de um sujeito, sucede para deixar seus resíduos como a dor e a satisfação, as quais vão sendo marcadas no sujeito por intermédio de um Outro. Estes são os afetos e os desejos. A totalidade deste evento é constituído e tem as conseqüências inerentes ao desenvolvimento das funções do indivíduo e, cujo paradigma é a amamentação, a qual compõe o que Freud chama de Nebenmensch ou o complexo do próximo.

Rinaldi (1999) descreve que ao começar o Projeto, Freud “formula a noção de “complexo do próximo” ele já indica esta torção fundamental, onde interno e externo se encontram, uma vez que a fundação da subjetividade pressupõe a alteridade”. Há necessidade de intervenção por este Outro externo, para que se possa suspender, em um determinado momento, a descarga que esta sendo aliviada no interior do corpo. De acordo com Freud, “uma intervenção dessa ordem requer alteração no mundo externo, como a ação é específica, só pode ser promovida de determinadas maneiras”, pois, o “organismo humano é, a princípio, incapaz de promover esta ação específica” e, neste caso, realiza-se por ajuda alheia. A via de descarga adquire, neste caso, a importantíssima função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais. Por outro lado, quando se trata de um mal que advêm de estímulo externo, uma ação pode evitar alguns efeitos, porém, se este for interno, a criança não tem como escapar da problemática exposta sem a intervenção de um cuidador.

A respeito da experiência da dor vivenciada na constituição psíquica do ser humano, ocorre porque os dispositivos de proteção falham, isto é, há uma grande invasão de catexias provocando esta dor que é sentida, uma sensação consciente nomeada como desprazer. De acordo com Freud (1886/1889, p.372) esta dor “possui uma qualidade especial, que se faz sentir junto com o desprazer”. A semelhança do objeto mnêmico faz com que o sujeito sofra novamente uma catexia da mesma proporção que a original. Portanto, devido ao investimento da imagem mnêmica, pressupõe que, o desprazer é liberado do interior do corpo e de novo transmitido. O registro da percepção não é suficiente para que haja a dor, assim vai poder inscrever no corpo do sujeito, as marcas intermediadas pela fala da mãe ou cuidadora,
formando assim uma espécie de segunda pele como uma rede de significantes no intuito de haver uma funcionalidade protetora da ordem psíquica. Ao vivenciar o processo estrutural e as marcas psíquicas, a criança vai se constituindo de acordo com que lhe vai sendo permitido internalizar e de se tornar um ser da linguagem.

Portanto, a relação parental ou dos cuidadores, é fundamental para instituição de uma boa formação da estrutura psíquica, dentro do que a psicanálise conceitua uma posição do sujeito na estrutura neurótica. Bernardino (2009, p.215-221) aponta a preocupação de Lacan em seus escritos sobre o processo de constituição do sujeito, ele apresenta de uma forma com que outros possam “compreender os enigmas a respeito das operações psíquicas necessárias para o surgimento de um sujeito de desejo”. E, neste discurso, Lacan apresenta “a dialética presença / ausência no qual o objeto se constitui enquanto simbólico, a partir da ausência e do desejo da presença”.

Portanto, na lógica, a estruturação do sujeito é necessária perpassar pela a alienação e separação, onde, ao referir-se a criança, é ela ser no outro. Chemama (1995) coloca que para que o outro tenha a possibilidade de se apropriar de uma versão do desejo do outro e que possa tomá-la como própria, é devidamente necessário que a mesma possa se separar deste outro a qual ela está alienada. Quando não, a perda da realidade na neurose, seqüência os conflitos, e a conseqüências destes, seria um dado da psicose, como substituto da realidade ocupou o lugar de alguma coisa for cluída, enquanto na neurose é reorganizada em um registro simbólico.

A Função do Analista

A partir da breve apresentação da constituição do sujeito na visão teórica psicanalítica, quando a criança chega até o analista por intermédio dos pais, cuidadores ou instituições, ela se apresenta de acordo com seu processo estrutural, pois, a criança, ainda pequena necessita de um Outro para se constituir. Esta estrutura, no entanto, pode estar exprimindo aquilo que a faz se sustentar no meio em que vive. Portanto, o analista recebe a criança que está implicada nas fantasmáticas. Pois, de forma subjetiva, ela se coloca em uma posição que coincide com aquela que lhe foi atribuída.

O analista deve levar em consideração que a estrutura deste pequeno sujeito, não é algo concluso, e que ela é, o que o sujeito pode responder, possibilitando, neste caso, respostas estruturais variadas além de uma predominante, mas, o que não impede outras respostas que possa advir. Vorcaro (1999) fala que o sintoma é, portanto, o de um conflito próprio do sujeito (p.90),”… a análise é a possibilidade de deixar a criança fazer sua neurose tranquila, saída da posição infantil de falo materno”.

Na clínica, o analista não fica centrado no sintoma que a criança apresenta, mas, ele aposta em poder atingir este sintoma apresentado por ela, não de forma com que ele desapareça. Ele, por intermédio de algum tipo de intervenção poderá deslocá-lo ou até mesmo torná-lo mais suportável para este pequeno sujeito. Brandão (2011, p.44) escreve sobre o quanto é importante “a função do terapeuta como mediador ou viabilizador de situações aparentemente singelas, mas de difícil resolução para a família”. Então, por intermédio da psicanálise o bebê é atendido, podendo obter ajuda na sua estrutura enquanto infans, e, utiliza como ferramenta, diversos profissionais que, por vezes, pode organizar problemas psíquicos apresentados pelo mesmo.

As respostas que a criança apresenta na clínica, estão de acordo com a sua estrutura e, estas, apontam e mostram sua vivencia de satisfação com os pais ou cuidadores, de uma forma em que estas satisfações lhe permite suporte para o ser no mundo, inclusive para seu adoecimento. Segundo Dolto;

Quaisquer que sejam os problemas da criança, a hipótese geral é de
que ela sofre de uma angustia de culpa inconsciente cujos os
sintomas são ao mesmo tempo a prova e o recurso que sua natureza
entregue a si mesma encontrou para canalizar essa angustia e
impedir a criança de destruir mais gravemente o equilíbrio de sua
saúde (2008, p.77).

Este lugar que está dado à criança pela família ou cuidador, o analista no campo transferencial, tem a oportunidade de poder fazer a leitura do traço significante o qual está marcado na criança, principalmente quando ela está colocando em ato e, este agir, pode ser uma das maneiras de compreender e obter conhecimento de como lidar com o acting out. A criança, como descreve Dolto (2008) assim como o adulto, sabe fazer a diferença entre o trabalho psicoterápico e a realidade das relações humanas na vida social, então, ela responde por meio das ferramentas que são possíveis de respostas, exemplos como no lúdico, dinâmicas, e diversas linguagens que estão em ação que, o analista em função, tem possibilidade de captar.

 

Autoria: Adriana Regina Piotto Tirola
Psicóloga Clínica -Membro da ALPL

Referências Bibliográficas

BERNARDINO, Leda Maria Fischer. Lacan e os bebês: novas perspectivas. In, A Criança e os Adolescentes no Século XXI: desafios psicanalíticos, políticos e sociais. Org. Centro de Estudos Freudianos do Recife. Recife. Escola de Estudos Psicanalítico, 2009.

BRANDÃO, Paulo Cesar D’Avila. A função do ambiente nos tratamentos de crianças em área instrumental. In Escritos da Criança vol.1. 3º Ed. Porto Alegre. Centro Lydia Coriat, 2011.

CHEMAMA, Roland. Dicionário da Psicanálise Larousse. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

DOLTO, Françoise; NASIO, J.D. A Criança do Espelho. Rio de Janeiro. Zahar, 2008.

FREUD, Sigmund. Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. Trabalho original publicado em 1886-1889 / Vol. I – Rio de Janeiro. IMAGO, 2006.

JERUSALINSKY, Julieta. A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo. Trabalho de conclusão Tese de Doutorado em Psicologia Clínica. São Paulo, 2009. Disponível em Acesso dia 20 de Nov. de 2013.

JERUSALINKY, Alfredo. Psicanálise e o Desenvolvimento Infantil: Um enfoque transdisciplinar. Porto Alegre. Artes Médicas, 1989.

OLIVEIRA, Nair Macena. Projeto Para uma Psicologia Científica (Freud- 1895) e a Constituição do Aparelho Psíquico. Artigo 13 jul. 2012 p. 01-07. Disponível em: < http://www.freudlacan.com.br/acerca-do-texto-projeto-parauma-psicologia-cientifica-freud-1895-e-a-constituicao-do-aparelho-psiquico/.> Acesso em: 03 jul. 2013.

RINALDI, Doris. Culpa e Angustia: algumas notas sobre as notas de Freud (1999 – 1º artigo apresentado). Disponível em: < www.interseccaopsicanalitica.com.br/…/doris_rinaldi/Doris_Rinaldi_Culp…> Acesso dia 21 de Nov. 2013.

VORCARO, Angela. Crianças na Psicanálise: clínica, instituição, laço social. Rio de Janeiro. Companhia de Freud, 1999.