Vivencia de Satisfação Que a Criança Apresenta e a Função do Analista

Freud entre os anos de 1886/1889 escreve sobre o Projeto para uma psicologia científica e fala sobre a experiência de satisfação na constituição psíquica do ser humano, antes mesmo da experiência de análise que teve com o pequeno Hans em 1909. Freud falou da condição que o possibilitou inicialmente a análise com a criança. Quando ele analisou o pequeno Hans, só foi possível devido o pai do analisante, ter feito o papel de intermediador, ele teria sido como o fio condutor.

Este fio condutor foi a extensão que permitiu a compreensão do analista a respeito do sintoma apresentado pelo pequeno Hans, a fobia. Portanto, o funcionamento psíquico relaciona-se a experiência de satisfação em ação, segundo Freud (1886/1889), a presença atuante de uma catexia no sistema neuronal de um sujeito, sucede para deixar seus resíduos como a dor e a satisfação, as quais vão sendo marcadas no sujeito por intermédio de um Outro. Estes são os afetos e os desejos. A totalidade deste evento é constituído e tem as conseqüências inerentes ao desenvolvimento das funções do indivíduo e, cujo paradigma é a amamentação, a qual compõe o que Freud chama de Nebenmensch ou o complexo do próximo.

Rinaldi (1999) descreve que ao começar o Projeto, Freud “formula a noção de “complexo do próximo” ele já indica esta torção fundamental, onde interno e externo se encontram, uma vez que a fundação da subjetividade pressupõe a alteridade”. Há necessidade de intervenção por este Outro externo, para que se possa suspender, em um determinado momento, a descarga que esta sendo aliviada no interior do corpo. De acordo com Freud, “uma intervenção dessa ordem requer alteração no mundo externo, como a ação é específica, só pode ser promovida de determinadas maneiras”, pois, o “organismo humano é, a princípio, incapaz de promover esta ação específica” e, neste caso, realiza-se por ajuda alheia. A via de descarga adquire, neste caso, a importantíssima função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais. Por outro lado, quando se trata de um mal que advêm de estímulo externo, uma ação pode evitar alguns efeitos, porém, se este for interno, a criança não tem como escapar da problemática exposta sem a intervenção de um cuidador.

A respeito da experiência da dor vivenciada na constituição psíquica do ser humano, ocorre porque os dispositivos de proteção falham, isto é, há uma grande invasão de catexias provocando esta dor que é sentida, uma sensação consciente nomeada como desprazer. De acordo com Freud (1886/1889, p.372) esta dor “possui uma qualidade especial, que se faz sentir junto com o desprazer”. A semelhança do objeto mnêmico faz com que o sujeito sofra novamente uma catexia da mesma proporção que a original. Portanto, devido ao investimento da imagem mnêmica, pressupõe que, o desprazer é liberado do interior do corpo e de novo transmitido. O registro da percepção não é suficiente para que haja a dor, assim vai poder inscrever no corpo do sujeito, as marcas intermediadas pela fala da mãe ou cuidadora,
formando assim uma espécie de segunda pele como uma rede de significantes no intuito de haver uma funcionalidade protetora da ordem psíquica. Ao vivenciar o processo estrutural e as marcas psíquicas, a criança vai se constituindo de acordo com que lhe vai sendo permitido internalizar e de se tornar um ser da linguagem.

Portanto, a relação parental ou dos cuidadores, é fundamental para instituição de uma boa formação da estrutura psíquica, dentro do que a psicanálise conceitua uma posição do sujeito na estrutura neurótica. Bernardino (2009, p.215-221) aponta a preocupação de Lacan em seus escritos sobre o processo de constituição do sujeito, ele apresenta de uma forma com que outros possam “compreender os enigmas a respeito das operações psíquicas necessárias para o surgimento de um sujeito de desejo”. E, neste discurso, Lacan apresenta “a dialética presença / ausência no qual o objeto se constitui enquanto simbólico, a partir da ausência e do desejo da presença”.

Portanto, na lógica, a estruturação do sujeito é necessária perpassar pela a alienação e separação, onde, ao referir-se a criança, é ela ser no outro. Chemama (1995) coloca que para que o outro tenha a possibilidade de se apropriar de uma versão do desejo do outro e que possa tomá-la como própria, é devidamente necessário que a mesma possa se separar deste outro a qual ela está alienada. Quando não, a perda da realidade na neurose, seqüência os conflitos, e a conseqüências destes, seria um dado da psicose, como substituto da realidade ocupou o lugar de alguma coisa for cluída, enquanto na neurose é reorganizada em um registro simbólico.

A Função do Analista

A partir da breve apresentação da constituição do sujeito na visão teórica psicanalítica, quando a criança chega até o analista por intermédio dos pais, cuidadores ou instituições, ela se apresenta de acordo com seu processo estrutural, pois, a criança, ainda pequena necessita de um Outro para se constituir. Esta estrutura, no entanto, pode estar exprimindo aquilo que a faz se sustentar no meio em que vive. Portanto, o analista recebe a criança que está implicada nas fantasmáticas. Pois, de forma subjetiva, ela se coloca em uma posição que coincide com aquela que lhe foi atribuída.

O analista deve levar em consideração que a estrutura deste pequeno sujeito, não é algo concluso, e que ela é, o que o sujeito pode responder, possibilitando, neste caso, respostas estruturais variadas além de uma predominante, mas, o que não impede outras respostas que possa advir. Vorcaro (1999) fala que o sintoma é, portanto, o de um conflito próprio do sujeito (p.90),”… a análise é a possibilidade de deixar a criança fazer sua neurose tranquila, saída da posição infantil de falo materno”.

Na clínica, o analista não fica centrado no sintoma que a criança apresenta, mas, ele aposta em poder atingir este sintoma apresentado por ela, não de forma com que ele desapareça. Ele, por intermédio de algum tipo de intervenção poderá deslocá-lo ou até mesmo torná-lo mais suportável para este pequeno sujeito. Brandão (2011, p.44) escreve sobre o quanto é importante “a função do terapeuta como mediador ou viabilizador de situações aparentemente singelas, mas de difícil resolução para a família”. Então, por intermédio da psicanálise o bebê é atendido, podendo obter ajuda na sua estrutura enquanto infans, e, utiliza como ferramenta, diversos profissionais que, por vezes, pode organizar problemas psíquicos apresentados pelo mesmo.

As respostas que a criança apresenta na clínica, estão de acordo com a sua estrutura e, estas, apontam e mostram sua vivencia de satisfação com os pais ou cuidadores, de uma forma em que estas satisfações lhe permite suporte para o ser no mundo, inclusive para seu adoecimento. Segundo Dolto;

Quaisquer que sejam os problemas da criança, a hipótese geral é de
que ela sofre de uma angustia de culpa inconsciente cujos os
sintomas são ao mesmo tempo a prova e o recurso que sua natureza
entregue a si mesma encontrou para canalizar essa angustia e
impedir a criança de destruir mais gravemente o equilíbrio de sua
saúde (2008, p.77).

Este lugar que está dado à criança pela família ou cuidador, o analista no campo transferencial, tem a oportunidade de poder fazer a leitura do traço significante o qual está marcado na criança, principalmente quando ela está colocando em ato e, este agir, pode ser uma das maneiras de compreender e obter conhecimento de como lidar com o acting out. A criança, como descreve Dolto (2008) assim como o adulto, sabe fazer a diferença entre o trabalho psicoterápico e a realidade das relações humanas na vida social, então, ela responde por meio das ferramentas que são possíveis de respostas, exemplos como no lúdico, dinâmicas, e diversas linguagens que estão em ação que, o analista em função, tem possibilidade de captar.

 

Autoria: Adriana Regina Piotto Tirola
Psicóloga Clínica -Membro da ALPL

Referências Bibliográficas

BERNARDINO, Leda Maria Fischer. Lacan e os bebês: novas perspectivas. In, A Criança e os Adolescentes no Século XXI: desafios psicanalíticos, políticos e sociais. Org. Centro de Estudos Freudianos do Recife. Recife. Escola de Estudos Psicanalítico, 2009.

BRANDÃO, Paulo Cesar D’Avila. A função do ambiente nos tratamentos de crianças em área instrumental. In Escritos da Criança vol.1. 3º Ed. Porto Alegre. Centro Lydia Coriat, 2011.

CHEMAMA, Roland. Dicionário da Psicanálise Larousse. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

DOLTO, Françoise; NASIO, J.D. A Criança do Espelho. Rio de Janeiro. Zahar, 2008.

FREUD, Sigmund. Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. Trabalho original publicado em 1886-1889 / Vol. I – Rio de Janeiro. IMAGO, 2006.

JERUSALINSKY, Julieta. A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo. Trabalho de conclusão Tese de Doutorado em Psicologia Clínica. São Paulo, 2009. Disponível em Acesso dia 20 de Nov. de 2013.

JERUSALINKY, Alfredo. Psicanálise e o Desenvolvimento Infantil: Um enfoque transdisciplinar. Porto Alegre. Artes Médicas, 1989.

OLIVEIRA, Nair Macena. Projeto Para uma Psicologia Científica (Freud- 1895) e a Constituição do Aparelho Psíquico. Artigo 13 jul. 2012 p. 01-07. Disponível em: < http://www.freudlacan.com.br/acerca-do-texto-projeto-parauma-psicologia-cientifica-freud-1895-e-a-constituicao-do-aparelho-psiquico/.> Acesso em: 03 jul. 2013.

RINALDI, Doris. Culpa e Angustia: algumas notas sobre as notas de Freud (1999 – 1º artigo apresentado). Disponível em: < www.interseccaopsicanalitica.com.br/…/doris_rinaldi/Doris_Rinaldi_Culp…> Acesso dia 21 de Nov. 2013.

VORCARO, Angela. Crianças na Psicanálise: clínica, instituição, laço social. Rio de Janeiro. Companhia de Freud, 1999.